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  • 13 de Fevereiro, 2010
  • Por Carlos Esperança
  • Religiões

O bom abade Jean Meslier

Um século antes de Nietzsche e várias décadas antes do marquês de Sade foi um padre ateu, vigário de aldeia que viveu no norte da França entre os anos de 1664 e 1729 que, no manuscrito intitulado «Memória dos pensamentos e dos sentimentos de Jean Meslier», concluído em 1720, e nas Cartas aos curas, preconizou uma sociedade ideal fundamentada no ateísmo.

O abade Meslier, indignado com a opressão e as injustiças sociais praticadas contra os camponeses, durante o reinado de Luís XIV, foi um autor radical, incisivo, comunista e ateu, mas manteve as suas ideias no mais absoluto sigilo, pois sabia que, não existindo vida para além da morte, devia preservar a única e irrepetível que lhe coube.

Os seus escritos onde nega de forma inequívoca o dogma da criação do universo e, por conseguinte, as ideias de divindade, transcendência e ordenação divina da natureza, só foram conhecidos postumamente. Foi um revoltado, por razões políticas e sociais, com sermões materialistas, mas calcula-se o escândalo provocado pelo seu ateísmo, quando foi conhecido, e pelas diatribes contra Cristo, que descreveu como louco, fanático, ignorante e charlatão, indivíduo astuto que se aproveitou da credulidade e do desespero de pessoas ignorantes para estabelecer o seu império.

Foi, aliás, imensamente crítico para com a religião, que considerou um artifício humano, nefasto expediente dos espertalhões e um eficiente instrumento de dominação utilizado por reis, sacerdotes e demais parasitas para submeterem e manipularem as populações miseráveis e abatidas pelo sofrimento.

O abade Meslier é um expoente do Iluminismo francês cujo manuscrito, se não fosse tão prolixo e de estilo rebarbativo, era merecedor de ombrear com as obras de Montesquieu, Rousseau e Voltaire, na filosofia política das Luzes que originou a Revolução Francesa.