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  • 2 de Março, 2009
  • Por Carlos Esperança
  • Religiões

Autocarro ateu

Por

Onofre Varela

Foi notícia-sensação o facto de Londres ter a circular, no sistema de transportes públicos, um autocarro decorado com esta mensagem de teor ateísta: “Provavelmente Deus não existe. Deixa de te preocupar e goza a vida”. A ideia de tal propaganda pertence ao escritor britânico Richard Dawkins, autor do livro “A Desilusão de Deus” — neste momento em segunda edição em Portugal e no top de vendas em todo o mundo —, já ameaçado de morte por fundamentalistas islâmicos.

Uma associação ateísta espanhola importou a ideia e pôs dois autocarros de Madrid a circular com a mesma mensagem. Não tardou, grupos de religiosos (quiçá a própria Igreja Católica), pagaram a decoração de seis autocarros — seis!!! — com mensagens contraditórias, afirmando a existência e a bondade de Deus, em resposta à mensagem dos ateus. Uma guerra teológica sobre rodas, perfeitamente ridícula!

Esta atitude de contradizer a primeira mensagem, enquadra-se no mesmo tipo de reacção que motivou islamitas a promoverem um concurso de caricaturas criticando o Cristianismo e negando o holocausto, em resposta às caricaturas de Maomé publicadas no jornal dinamarquês Jyllands-Posten em Setembro de 2005. Se as caricaturas tinham um fundamento de verdade, porque, efectivamente, existe um fundamentalismo islâmico terrorista testemunhado por todos nós, a resposta islamita, negando factos históricos e a humanidade que é possível encontrar na filosofia cristã, só veio sublinhar a agressividade dos grupos extremistas que mancham o Islão.

A reacção Católica à mensagem de Richard Dawkins, recorrendo ao mesmo suporte publicitário para macaquear a mensagem ateia, segue a mesma linha das atitudes fundamentalistas islâmicas. Os católicos teriam muito mais a ganhar se não respondessem à provocação ateia. Aliás, aquilo nem pode ser considerado provocação!… É, apenas, a manifestação pública de uma opinião perfeitamente legítima.

O que acontece é que a Igreja Católica habituou-se a ser poder total desde o século XII, quando o papa Gregório VII obrigou todos os reis e imperadores ao totalitarismo de Roma. A Igreja dominou o pensamento europeu até à Revolução Francesa, e ainda não conseguiu digerir o direito que todos nós temos à nossa própria opinião e de nos expressarmos livremente. O Catolicismo é semelhante ao islamismo na atitude de querer impor as suas ideias nas sociedades onde é religião maioritária. E o terror que a “Santa Inquisição” semeou no pensamento colectivo, ainda hoje permanece em alguns meios rurais deste nosso lindo país. Já vivi a experiência de, ao dizer-me ateu, o meu interlocutor olhar para os lados, garantindo a confidencialidade da conversa!

Todos nós somos donos das nossas consciências, e somos livres de afirmar ou de negar a existência de um deus. O próprio papa Paulo VI, no Concílio Vaticano II, reconheceu “a liberdade de consciência a que todas as pessoas têm direito, a qual não deve ser coarctada nem pelo Estado nem pela Igreja”. As crenças valem o que valem, e quem se sente feliz vivendo a ilusão de Deus, deve continuar a vivê-la… o importante é que seja feliz, como felizes conseguem ser aqueles que dispensam divindades.

De resto, parece-me irrelevante dizer que Deus não existe e não interessa discutir tal inexistência. É como contestar a existência de fadas. Não faz qualquer sentido e é uma perda de tempo. Deus e o Diabo estão ao mesmo nível das fadas boas e das bruxas más. São figuras mitológicas, emparceiram com as fábulas e estão inseridos na mesma categoria que constrói o mundo da fantasia. Todos nós temos direito à fantasia, mas não devemos perder a noção da realidade não atribuindo valor real a tão oníricos pensamentos.

Aquilo que é verdadeiramente inquietante e merecedor de toda a preocupação é haver tanta gente a acreditar em Deus a duzentos anos da promissora época da Ilustração!

E é realmente alarmante porque os crentes não nasceram crentes…foram feitos crentes nas lojas de fé:

catequeses católicas, madrassas islâmicas e outros grupos ou seitas de religiosos, para atenderem, pela vida fora, à voz de quem os controla.