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  • 29 de Novembro, 2008
  • Por Carlos Esperança
  • Religiões

A PROPÓSITO DO DEBATE “CIÊNCIA E RELIGIÃO”

Por

Onofre Varela

Óscar Wilde disse: “Os homens da Igreja não pensam. Continuam a dizer aos 81 anos o mesmo que diziam aos 18”.

Lembrei-me desta frase bem humorada e plena de verdade irrefutável, ao ter conhecimento da organização de um debate subordinado ao tema “Ciência e Religião: uma relação (im)possível?”, organizada pela Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, a ter lugar na próxima 4ª feira (3 de Dezembro), pelas 21 horas, nas instalações da Faculdade, ao Campo Alegre.

A mesa redonda terá como moderadora a jornalista Sandra Inês Cruz, e como oradores os Professores Catedráticos Alexandre Quintanilha e António Amorim, o sacerdote Jesuíta Alfredo Dinis e o vice-presidente da Associação de Médicos Católicos António Sarmento.

É sempre de louvar e aplaudir a realização de iniciativas como esta, para que seja mais aberta a discussão e se possa, até, a partir dela, tirar o ateísmo (que está, inequivocamente, ao lado da Ciência) da sarjeta para onde as sociedades teístas o empurraram.

Devo dizer, no entanto, que o tema proposto para debate é recorrente e, em regra, o resultado final é um empate. O que não quer dizer que há 50% de razão para cada lado! É impossível dizer-se que Ciência e Mito estão ao mesmo nível! Mas o discurso académico dos religiosos é demasiado elástico e moldável e, no limite, o Homem criou Deus porque teve necessidade de um objecto deífico, e a própria religiosidade é alvo de estudo por várias disciplinas científicas. Esta verdadeira ligação da Religião à Ciência (e o facto de o Homem ser um animal religioso) pode ser a responsável pelo empate.

Tive conhecimento deste debate através da Associação Ateísta Portuguesa que foi contactada pelos organizadores no sentido de conseguirem a indicação de uma personalidade religiosa para participar nele. A minha primeira reacção a tal pedido foi anedótica porque considerei ser o mesmo que pedir à claque dos Dragões que indique um bom benfiquista!… Depois de me despojar do tom anedótico e encarar o caso com mais seriedade (não é que o humor não seja sério…) fiquei a pensar que, se em vez do título “Ciência e Religião” para o debate, a proposta fosse “Ateísmo e Religião”, os organizadores não iam conseguir sacerdotes que se sentassem junto de ateus e o debate não se realizava. Primeiro porque a frase de Óscar Wilde está cheia de actualidade. E depois porque (por isso mesmo), a Igreja não aceita participar numa mesa redonda com ateus, porque isso seria encarar a ideia da inexistência de Deus, o que, está bom de ver, nenhum bispo aceitará nem autoriza um sacerdote a fazê-lo.

E devo dizer que têm toda a razão! Se eu fosse frade franciscano faria o mesmo! A Igreja não pretende alimentar tal discussão porque o discurso dos ateus intervenientes podia acordar as mentes de alguns religiosos, e a Igreja pretende conservar essas mentes assim mesmo… adormecidas.

Esta minha ideia tem razão de ser e enquadro-a nestes dois exemplos:

1º – O programa “Herman Zap!” (que Herman José apresentou na RTP em 1996) fez comédia com a última ceia de Cristo, pelo que foi repudiado pela Igreja, e a Rádio Renascença promoveu uma petição no sentido de reivindicar a supressão do programa. Numa mesa redonda televisiva moderada pelo jornalista José Manuel Barata Feyo para debater aquele caso mediático, a Igreja recusou o convite, embora fosse ela (ou a sua rádio) que se manifestou contra Herman. O único padre presente no programa foi Frei Bento Domingues que teve o cuidado de referir estar ali particularmente e não em representação da Igreja.

(Ver desenvolvimento deste caso no meu livro “O Peter Pan Não Existe – Reflexões de um Ateu” editado pela Caminho em Janeiro de 2007.

Págs.188 a 191).

2º – Quando o Papa João Paulo II agonizava, fui convidado para participar numa conversa televisiva na RTPN, com os padres Mário Oliveira e Rui Osório, onde se discutia se o Papa deveria, ou não, renunciar ao cargo (tema perfeitamente desinteressante para um ateu!).

Na circunstância abordei a inexistência de Deus e Rui Osório quase que teve um colapso. Protestou pela minha intervenção e, numa atitude inédita, preparava-se para abandonar o programa. Sou amigo dele, ele foi meu chefe de redacção no Jornal de Notícias, e nunca o vi assim, tão alterado! Fiquei a pensar que a hierarquia lhe ía bater por ter aceitado participar numa discussão onde se negou Deus!… Ao contrário, o padre Mário Oliveira concordou comigo e acabou por dizer que os religiosos têm muito a aprender com os ateus. Talvez o dissesse porque já não tem nada a perder… a Igreja já o expulsou da instituição há muito tempo…

Salvo melhor análise, parece-me que estas atitudes provam a fuga da Igreja ao debate. Fuga que não pode ser mantida eternamente, e estou para ver as diferenças do discurso quando ela tiver, por força das circunstâncias, de sentar o cu fantasiosamente religioso, ao lado de outro cu realisticamente ateu.