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  • 31 de Julho, 2008
  • Por Carlos Esperança
  • Religiões

Símbolos religiosos

 Por

ONOFRE VARELA

O jornal Público (30/7/2008) acaba de dar a notícia de que uma adolescente da comunidade sikh ganhou, no Supremo Tribunal do Reino Unido, o direito de voltar à escola que frequentava no país de Gales ostentando a pulseira de aço, símbolo da religião que partilha com mais 20 milhões de seres em todo o mundo, pela qual tinha sido expulsa. A razão da expulsão prendia-se com a regra interna do colégio que não permitia outros adornos corporais para além do relógio de pulso e brincos simples.

Este caso remeteu-me para as notícias, já não muito frescas, da proibição de entrar em lugares públicos ostentando simbologia religiosa (como em França e Inglaterra) e, por cá, a proibição de se encenar um presépio numa escola pública.

É bem verdade que é preciso laicizar a nossa democracia, e o governo já ensaiou uns passos tímidos nesse sentido com uma resolução governamental de 2007 visando retirar o serviço religioso dos hospitais. Esta atitude — embora lógica — é evidente que choca com a necessidade que os dependentes da “droga-Deus” sentem numa situação de doença, e a ICAR aproveita para defender os seus pontos de vista atacando as atitudes do governo, classificando-as como ateias.

Conciliar o vício do consumo de religião que a Igreja alimenta nas camadas mais desfavorecidas de dinheiro e do resto, com o cumprimento das leis da República, é papel que cabe aos legisladores, mas não é tarefa fácil.

A retirada de símbolos religiosos dos organismos de estado tem de ser feita. É incontestável. Mas terá de contar com legislação adequada, e nunca de um modo que pareça coercivo… porque proibir uma manifestação religiosa é uma atitude tão estúpida quanto a de impor um credo religioso a uma comunidade. Por isso não é uma atitude simpática — nem, tão pouco, inteligente e eficaz —, proibir o acesso a instituições públicas às pessoas que ostentem símbolos religiosos.

Impedir a entrada na sala de aula a uma estudante com a cabeça tapada pelo véu islâmico ou exibindo uma cruz ao peito, é uma atitude tão disparatada como seria impedir a entrada num bar a quem decore a lapela com o emblema do Sporting ou exiba o símbolo do Partido Comunista estampado no peito da camisola.

Tal separação deve existir, naturalmente, no entendimento de cada cidadão como atitude cívica. As escolas não existem, apenas, para ensinarem a ler e a contar. Também têm por missão educar na cidadania, e é nesta educação que a separação das águas políticas e religiosas deve ser feita.

Defendo que nos espaços da responsabilidade do Estado, como tribunais, repartições públicas, escolas e hospitais, não deva existir benzedura inaugural nem sinalética religiosa, como crucifixos e outras imagens, porque tais símbolos têm um lugar próprio para serem exibidos: os altares das igrejas e a casa de cada crente. As escolas, os tribunais e os hospitais prestam ensino, cuidados de saúde e Justiça a todos, sem lhes perguntarem o paladar do iogurte da sua preferência.

Mas impedir a entrada em tais lugares a quem use um adereço decorativo representativo de uma organização legalizada pela sociedade em que está inserido (como uma religião, um clube desportivo ou um partido político), é um acto estúpido, separatista, tresanda a uma intolerância insuportável e acrescenta ao objecto proibido um valor que, realmente, não tem.

É tão estúpido proibir os alunos de fazerem um presépio no Natal ou enfeitarem uma árvore com bolinhas coloridas (numa sociedade onde tais elementos fazem parte da etnografia local), como estúpido será obrigá-los a fazê-lo contra a sua vontade quando tal tarefa não tem intenção pedagógica no entendimento do ensino laico.

A representação do presépio existe desde que Francisco de Assis o inventou, e o seu significado é, basicamente, folclórico e cabe muito bem na decoração das montras dos espaços comerciais. Aliás, simbologia religiosa e comércio, sempre casaram muito bem!…

Proibir tal cenografia no cumprimento de uma manifestação folclórico-religiosa sazonal, como é o Natal, é fomentar a revolta contra a proibição e, consequentemente, a sua transgressão e a exaltação do acto de transgredir… para além de enaltecer a importância do objecto proibido, o que é pior por funcionar em sentido contrário à ideia da proibição. É como proibir os caretos das aldeias brigantinas de saírem à rua a acossarem as jovens namoradeiras, como em tempos salazarengos chegou a ser decretado.

Educar no sentido de produzir cidadãos responsáveis, respeitadores daqueles que têm ideias diferentes das suas, é bem mais difícil do que proibir manifestações que, por preconceito social, religioso ou rácico, não são bem vistas pela comunidade. Esse difícil caminho da Educação é aquele que tem de ser seguido, porque é o mais lógico.

Contrariar isto é usar as mesmas atitudes fundamentalistas dos credos religiosos que a todos vitimizam.

Onofre Varela