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Dia: 25 de Janeiro, 2007

25 de Janeiro, 2007 Ricardo Alves

Pelo direito a rir

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O semanário marroquino Nichane publicou no dia 9 de Dezembro um dossiê especial analisando algumas anedotas («noukat») sobre religião, sexualidade e política. O objectivo era reflectir sobre a cultura popular marroquina. Infelizmente, um saite islamista não achou graça e iniciou uma campanha violenta contra o semanário. No dia 19 de Dezembro, uma instância religiosa do Koweit junta-se aos apelos contra a liberdade de expressão. No dia seguinte, há uma queixa judicial contra o director do jornal e contra o autor do dossiê, por «ofensa aos valores sagrados». Nesse mesmo dia, o semanário é proibido pelo governo deste país nosso vizinho.

No dia 15 de Janeiro, o director de Nichane (que se afirma «livre pensador») e o responsável pelo dossiê das anedotas foram condenados a três anos de prisão (suspensa) e a uma multa de 80 000 dirhams (7 200 euros) por «atentar contra a religião islâmica» e por «publicação e distribuição de escritos contrários à moral».

A Associação República e Laicidade participa na campanha de solidariedade com os jornalistas marroquinos, que lutam no contexto muito difícil de um país muçulmano pela liberdade de expressão, contra a censura, e pelo direito a rir de tudo, incluindo o Islão e o rei de Marrocos. Pode-se assinar uma petição electrónica de solidariedade, ou escrever uma carta ao embaixador de Marrocos em Portugal (que até pode ser enviada por correio electrónico). Eu fiz ambas as coisas.

25 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Atavismos: da Igreja Católica e referendos – II

Em causa estão não só a ausência de referências ao catolicismo no Preâmbulo do novo Estatuto de Autonomia mas essencialmente os desvios flagrantes do novo texto em relação à interpretação católica dos Direitos Humanos, que se traduzem para os prelados simplesmente no Direito da Igreja impor a todos os seus atavismos.

De facto, são inadmíssiveis para a Igreja as políticas de promoção de igualdade de género abundantemente expressas em todo o texto, uma abominável «concessão à ideologia de género vigente» contrária aos «fundamentos antropológicos da diferenciação de sexos».

Recordo que para a ICAR, auto-proclamada expert em antropologia, os fundamentos antropológicos que devem reger as nações são a inenerrante «antropologia bíblica» – leia-se pecado original – que denuncia como profundamentes erradas as «perspectivas igualitárias para a mulher, libertando-a de todo o determinismo biológico». Ou seja, a igualdade de direitos para a mulher promovida no novo Estatuto andaluz é uma aberração ateísta que não reconhece a ordem «natural» do mundo «divinamente» ordenada!

Assim como são aberrações ateístas denunciadas veementemente pela Igreja o articulado referente à educação pública, definida como laica «conforme o carácter aconfessional do Estado» – mas que «terá em conta as crenças religiosas da confissão católica e das restantes confissões» -; o reconhecimento das uniões de facto e o facto de o novo Estatuto de Autonomia não dar protecção jurídica a óvulos fertilizados!

O arrazoado jurássico com que a delegação andaluz da Igrejade Roma critica o novo documento máximo desta comunidade, «declarações retrógradas, reaccionárias e próprias de uma instituição medieval» – como a porta voz da IU, Concha Caballero, as classificou – mereceram a reprovação de todos os partidos políticos, PP e PA, o único que apela ao voto NÃO no referendo, incluídos!

Aparentemente em Espanha os políticos já meditaram no significado político dos indicadores sociais referidos pelo Ricardo. Reflexão de que resultou, por exemplo, o recente Manual de Ceremonial Civil. Los días más grandes, um instrumento que «sob parâmetros exclusivamente laicos» descreve «fórmulas para viver con solenidade» os «ritos de passagem» – nascimentos, casamentos e funerais -, publicado pela Asociación Catalana de Municipios y Comarcas. Manual que critica a Igreja e questiona o conceito de Deus!

Num Portugal que os mesmos indicadores sugerem estar mais secularizado que a vizinha Espanha é mistificante que a nossa classe política permita a imiscuição atávica da Igreja, abundantemente confirmada nos últimos tempos, em matérias que deveriam ser exclusivamente de política e/ou de Direito …

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25 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Atavismos: da Igreja Católica e referendos

Durante a 2.ª República espanhola, de 1931 a 1939, o Governo catalão elaborou um anteprojecto de Constituição autonómica, conhecido por Núria, por ter sido concluído naquela localidade em 20 de Junho de 1931. Por plebiscito popular, em 2 de Agosto do mesmo ano, a Núria foi aprovada, tendo sido ratificado nas Cortes em 9 de Setembro do ano seguinte. A Catalunha tornou-se assim «uma região autónoma dentro do Estado espanhol» estatuto que perdeu quando Franco, com o auxílio precioso da Igreja Católica, pôs fim sangrento à República. O Vale dos Caídos, o monumento fascista à vitória franquista e onde estão sepultados Francisco Franco e José Primo de Rivera – o fundador da Falange Espanhola e filho primogénito do ditador Miguel Primo de Rivera y Orbaneja, por sua vez fundador da União Patriótica, o movimento inspirador da União Nacional portuguesa – foi aberto na rocha por autênticos escravos, os inúmeros prisioneiros políticos que escaparam aos fuzilamentos fascistas.

Quase 4 décadas depois do fim da autonomia da Catalunha, a Constituição de 1978 definiu uma solução original para a diversidade espanhola, criando não um Estado federal, que implicaria a igual distribuição de competências pelos federados, mas um Estado de «autonomias assimétricas». Assim, a Constituição espanhola estabelece um sistema híbrido baseado na «unidade da Nação espanhola» mas com «autonomia dos nacionalismos e regiões que a constituem», definindo o chamado «Estado das Autonomias», composto por 17 Comunidades Autónomas, cada uma dotada de Governo e Parlamento próprios, com autonomias assimétricas atribuídas em função das respectivas características histórico-culturais e da vontade política manifestada pelas diversas regiões.

Dia 18 de Fevereiro, uma semana depois de em Portugal os portugueses decidirem em referendo o tipo de sociedade que querem construir – uma sociedade democrática e moderna, assente no respeito da Declaração Universal dos Direitos do Homem (capitalizado) ou uma teocracia em que o Direito criminaliza os «pecados» católicos – os cidadãos andaluzes manifestarão igualmente em referendo a sua vontade política em relação à autonomia da respectiva região, nomeadamente em relação ao novo Estatuto de Autonomia pelo qual se regerá a Andaluzia.

Tal como em Portugal em relação ao referendo pela despenalização da IVG até às 10 semanas, a Igreja Católica local tem sido muito vocal na rejeição do Estatuto a ser referendado, exortando ao voto NÃO recordando «aos católicos andaluzes a obrigação moral em consciência que têm de ter em consideração» de que «as leis recebem a sua legitimidade no que respeita a direitos humanos e grupos sociais» apenas quando seguem estritamente a interpretação sobre os mesmos da hierarquia da Igreja. Mais concretamente, ululam que os católicos devem opôr-se a qualquer legislação contrária aos «direitos humanos e grupos sociais tal como são declarados e defendidos pela doutrina social da Igreja».

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(continua)