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Dia: 23 de Janeiro, 2007

23 de Janeiro, 2007 Ricardo Alves

Declaração de voto

O referendo de 11 de Fevereiro de 2007 será sobre uma alteração no código penal. Trata-se portanto de uma questão exclusivamente legislativa e política. Não se trata de determinar o início da vida, nem de retirar a governos futuros a prerrogativa de decidir que actos médicos serão pagos pelo SNS. Resumidamente, eis no que fundamento a minha posição…
  1. A vida não começa com a fecundação: transmite-se. Um espermatozóide e um óvulo separados são ambos células vivas. Um espermatozóide que fecunda um óvulo origina um ou mais seres humanos individuais, que terão a mesma informação genética (é o caso dos gémeos univitelinos). A fecundação dura uma vintena de horas e a nidação (implantação no útero) demora seis a oito dias. Considero importante, pessoalmente, que o crescimento se acelere pela 12ª semana, mas parece-me mais relevante que só pela 24ª semana a taxa de sobrevivência do prematuro (viabilidade) se aproxime dos 50%, e que nesse momento já haja indícios de controlo do próprio corpo pelo feto (e portanto actividade cerebral consequente). Mas as duas únicas fronteiras biologicamente claras, ao longo das quarenta semanas da gravidez, são mesmo a fecundação e o nascimento: a origem de um indivíduo e a sua separação física da progenitora.
  2. A maternidade é um direito mas não um dever. Eticamente, não consigo valorar um aborto no primeiro mês de forma muito diferente da contracepção de emergência, e um aborto no oitavo mês de forma substancialmente diferente de um infanticídio. Entre as fronteiras biológicas indicadas mais acima (e que têm consequências éticas), parece-me razoável intercalar o momento em que há viabilidade e actividade cerebral – porque a partir daí temos um ser capaz de sentir dor e de que a sociedade teoricamente poderia ocupar-se (uma situação hipotética, com enormes dificuldades práticas…). Mas a liberdade da mãe é também um valor. Não é um descuido, por muito irresponsável que seja, que deve obrigar uma mulher a completar os nove meses de uma gravidez, com tudo o que isso significa de cuidados, privações e investimento emocional. No primeiro trimestre, existe um equilíbrio entre os valores da liberdade da mulher e da vida do embrião/feto, sobre o qual cada mulher deve poder seguir a sua consciência. No segundo trimestre, esse equilíbrio desloca-se a favor do feto, embora as malformações sejam excepções a considerar. No terceiro trimestre, parece-me inaceitável que se aborte.
  3. A vida é um contínuo, que o código penal discretiza. E portanto há contradições dos dois lados: o «não» só seria perfeitamente coerente se defendesse que o abortamento de qualquer óvulo fecundado fosse tratado como um homicídio. Em Portugal, a «pílula do dia seguinte» (que não se sabe se actua antes, durante ou depois da fecundação…) está totalmente despenalizada e é usada abundantemente (foram vendidas 230 mil em 2005), sem que ninguém acuse as utilizadoras de «homicídio» (o que evidencia que a sociedade considera que não é de facto de «homicídio» que se trata). No Código Penal actual, o «crime de aborto» tem a mesma pena no segundo e no oitavo mês, o que é absurdo e só se compreende porque o código penal reduz a prazos «intervalados» o que é contínuo. Se a IVG for despenalizada até às 10 semanas, a maioria das IVG´s será, desejavelmente, realizada nas primeiras seis a oito semanas. Se uma IVG é uma boa ou má opção, só compete a cada mulher decidir, porque só ela pode garantir que a gravidez irá até ao fim. A mim, cabe-me votar no dia 11 de Fevereiro para que possam decidir sabendo que não serão obrigadas à clandestinidade, e cientes de que não serão investigadas ou levadas a tribunal. Evidentemente, votarei «sim» no dia 11 de Fevereiro.

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(Publicado originalmente no blogue Esquerda Republicana.)

23 de Janeiro, 2007 Ricardo Alves

Cristo será eleito rei da Polónia?

Caro leitor, por vezes o surreal é o real. Só mesmo na clericalíssima Polónia é que se encontrariam quarenta e seis deputados dispostos a levar a votação uma moção para eleger «Jesus Cristo» rei da República polaca.

Tendo em conta que a «Virgem Maria» já é «rainha honorária» da Polónia há 350 anos, sem nunca ter abdicado ou desfalecido no cargo, nem mesmo durante a ditadura comunista, teremos uma monarquia dualista. Só falta saber se a pomba também pode ser eleita.

Não se ria, caro leitor. A Polónia existe e faz parte da União Europeia.
23 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

De bioética, ciência e tolices sortidas – II

Excertos de um texto de Carlos Fiolhais, publicado com o título «BIOÉTICA OU AS TRAPALHADAS EM QUE BIÓLOGOS E MÉDICOS SE (NOS) METERAM»

Há, no Texas, uma cidade com o nome bem latino de Corpus Christi. Fica no Sul da América do Norte nas costas do Golfo do México.

Os habitantes de Corpus Christi votaram no dia 19 de Janeiro de 1991 num referendo municipal para responder à pergunta «quando começa a vida humana». Mais precisamente, a questão consistia em adicionar a lei local à frase «a vida começa com a concepção».

63% dos votantes mostraram-se contrários a tal medida, apesar da abstenção ter sido muito elevada. O jornal de Chorpus Christi deu o maior espaço da primeira página ao resultado do referendo, esquecendo a Guerra do Golfo em que nesse mesmo dia as tropas norte-americanas estavam empenhadas.

Pode-se bem imaginar, sem lá ter estado, a quantidade de argumentos científicos e teológicos, médicos e éticos, que apareceram na campanha eleitoral…

A campanha foi marcada por confrontações violentas. Os argumentos foram, portanto, bem menos intelectuais do que seria desejável. O bispo lá da terra, que usa um chapéu de cow-boy, à moda do J.R. do «Dallas», excomungou sumariamente dois médicos católicos que, ao que parece, dirigiam clínicas onde se praticavam abortos.

Um dos sheriffs do sítio (não, não há só sheriffs nos filmes de cow-boys, também os há em Corpus Christi!) mandou erguer placards com a sua posição sobre o assunto: «My first duty is to GOD», assim mesmo com maiúsculas em GOD e tudo. Um dos activistas da campanha anti-aborto explicou resumidamente o modo como votou no referendo: «Deus quer que salvemos as suas crianças porque esta cidade tem o seu nome».

Inspirado pelo bispo e com a complacência do sheriff, os mais extremistas tentaram fazer «operações de salvamento» nas ditas clínicas, usando a força. A mulher do sheriff foi presa na tentativa de ocupação de uma clínica, pelo que os polícias receberam ordem para não interferir. «Deus está acima da lei», é a tradução da frase do chefe da polícia.

(…)

E em Portugal? Tem-se debatido com profundidade e conhecimento de causa as questões bioéticas, cada vez mais actuais e prementes, tanto da vida como da morte? Têm cientistas e políticos trocado informações e ideias? Têm ao grande público chegado mais do que o «fait-divers» dos jornais, que noticiam o que acontece a norte-americanos e a outros?

O autor destas linhas vai em crer que se se fizesse um inquérito sumário na Assembleia da República sobre o modo como é geneticamente determinado o sexo de um filho ou o que é uma morte cerebral a resposta seria um espelho do que é a realidade do país: ignorância pura e simples dos factos biológicos mais simples. É, evidentemente, imprescindível a ética. Mas, uma ética sem ciência é uma ética analfabeta.

Ninguém nos dias de hoje, quando a biologia é determinante para o futuro do homem, se pode dar ao luxo de ser um analfabeto científico e de nada saber sobre questões que se, se é certo que têm componentes políticas, culturais e religiosas, exigem também e à partida conhecimentos científicos. Os políticos deviam começar por dar o exemplo da alfabetização científica. Quando um dia aprenderem o que é o código genético ou o que é uma mutação in vitro, já será demasiado tarde. A falha de ética ou o défice de ciência, podem, juntas ou separadas, vir-nos a custar o futuro.

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23 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

De bioética, ciência e tolices sortidas

Acho sempre divertido – embora irritante – que a Igreja Católica, empenhada numa cruzada contra a «irracional» ciência e os «terroristas» que a praticam, tente confundir os mais incautos invocando em vão o nome ciência para vender como verdades científicas as maiores barbaridades.

Em relação ao tema aborto ler e ouvir o bispo da Guarda, Manuel Felício, que nem deve ter uma pálida ideia sobre o que seja a ciência – a crer nos abundantes dislates que debita sob a (pseudo)égide da mesma – confirma que a única moral «absoluta» cristã na história do cristianismo é a que estabelece que os fins justificam os meios, e um dos meios banalizados para propagar e manter a fé é o medo, instalado pela mentira e pela ameaça.

Já a homilia de Ano Novo do dignitário católico tinha sido uma elegia da mentira e especialmente das «opiniões tolas», as tais que Agostinho de Hipona tão sabiamente advertiu os cristãos para não pronunciarem. Claro que uma plateia tão analfabeta cientificamente como o seu pregador não se apercebe da tolice abundantemente debitada pelo empenhado pró-prisão. Mas a resposta «científica» apresentada como prova cabal de que o embrião/feto é uma pessoa é tão tola que precisei ler de novo, para mais uma vez confirmar que não tinha ido parar ao equivalente nacional da minha «Cebola» favorita.

Se não vejamos: diz o dignitário que «há uma relação vital que se desenvolve progressivamente entre o feto e a mãe», isto é, a verdade de la Palice que a vida do feto depende da mulher, relação que para o dignitário «é só própria de pessoas e entre pessoas». Não sei se o facto de existir uma «relação vital» entre um parasita e um hospedeiro equivale taxonomicamente o primeiro ao último mas certamente que face a esta explicação Feliciana a ciência vai conhecer uma revolução inaudita!

Mas as tolices felicianas não pararam aqui! Uns dias depois de classificar o aborto como medida de «exclusão social», um Felício à beira da apoplexia ululou em prime time hoje que o «aborto é equivalente à pena capital» e que ele, Manuel Felício, bispo da Guarda, é um embrião.

As excepções já contempladas na actual lei confirmam que a segunda afirmação não anda muita longe da verdade – pelo menos no que a neurónios diz respeito – e assim se explica a tolice da primeira!

E após conversa com outro Carlos de Coimbra, com uma pena tão fácil e erudita como o nosso, mas com apelido que apenas contém esperança de um Portugal cientificamente mais esclarecido, recupero um texto do Carlos Fiolhais, mais um cientista pelo SIM, publicado na revista Omnia no longínquo ano de 1991, de que reproduzo excertos no próximo post. As conclusões do Carlos, velhas de 16 anos, mantêm-se actuais: «A falha de ética ou o défice de ciência, podem, juntas ou separadas, vir-nos a custar o futuro».

Dia 11 de Fevereiro joga-se também o futuro de Portugal, o modelo de sociedade que queremos construir. Se queremos uma sociedade democrática e moderna ou uma sociedade de embriões felicianos. E é preciso que o não esqueçamos! E, principalmente, urge que não deixemos que os fundamentalistas católicos explorem a falha de ética e o défice de ciência da população menos esclarecida para manipular o resultado do referendo para os fins necessários ao integrismo totalitário que ambicionam!

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(continua)