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Dia: 7 de Setembro, 2006

7 de Setembro, 2006 Carlos Esperança

O Deus dos cães

O Deus dos cães, se o há, apareceu num monte a um cão grande, a quem reservou para os da sua espécie as melhores áreas de caça e as árvores mais adequadas para alçarem a perna quando a necessidade de esvaziar a bexiga os apoquentasse.

Quis o Deus dos cães ensiná-los a ladrar e ladrou-lhes na sua infinita sabedoria como deviam comportar-se com os outros cães. «Todos os cães são irmãos» – disse-lhes o Sr. Deus dos Cães -, mas advertiu-os de que se submetessem à forma de ladrar que o único verdadeiro Deus dos Cães ensinara ao profeta de todos os cães.

Quis ainda o Todo Poderoso Deus dos cães ensinar-lhes a uivar quando o falso Deus do Vento zumbisse nos montes e árvores da floresta.

Sendo Deus pachola, nada proibiu em relação ao sexo mas, em verdade lhes disse, que os cães não deviam tocar em espinhas de peixe por fazerem mal ao pelo e pior à saúde.

Com o tempo passaram os cães a ladrar em vários tons e a uivar com energia desigual. Tanto bastou para que os cães se envolvessem em rixas que o cio acicata e, em vez de ladrarem, como o Deus dos Cães lhes ensinara, passaram a uivar à Lua e a morder-se uns aos outros.

Só não há canicídios em massa porque os cães preferem lamber as mãos do dono do que ajoelhar-se e submeter-se de forma permanente e definitiva a outros cães. Têm maior nobreza do que outras espécies, mais subservientes, que se subjugam a ambas as coisas.

E também não há cães bombistas e mártires suicidas porque são suficientemente finos para duvidarem das setenta cadelas virgens e das montanhas de suculentos ossos com que o misericordioso Deus dos cães os aguarda no canil eterno.

7 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Genocídio em Darfur

Desde Fevereiro de 2003 que Darfur – zona ocidental do Sudão, fronteira com a Líbia e o Chade – praticamente desapareceu dos noticiários internacionais, não obstante ser palco de um conflito que muitos consideram genocídio.

De facto, desde essa data, quase meio milhão de africanos negros de aldeias de tradição agrícola foram trucidados por milícias árabes apoiadas pelo governo, as milícias Janjuweed, que causaram ainda mais de dois milhões de refugiados. Mulheres e crianças são violadas na frente das famílias (e – pasmem – algumas mulheres são depois apedrejadas por «adultério»), e constituem o alvo predilecto das atrocidades desumanas cometidas pelas milícias árabes, recrutadas e armadas pelas autoridades de Cartum para combaterem a rebelião na região de Darfur. Rebelião que tinha como pano de fundo a discriminação do muçulmano governo sudanês em relação a todos os não muçulmanos do país.

Nos últimos três meses a situação em Darfur está completamente descontrolada. Dezenas de milhares de civis não muçulmanos foram desalojados e a violência contra o corpo de paz da União Africana e restantes ONGs humanitárias atingiu o seu zénite. Corpo de paz africano que deve abandonar a região em finais de Setembro, o que desencadeou receios de uma catástrofe humanitária. Mas a insegurança crescente resultou em que cerca de meio milhão de pessoas se encontram actualmente sem auxílio humanitário e muitas mais estarão em risco quando o corpo de paz da UA sair.

A pressão constante dos activistas por Darfur resultou numa resolução do Conselho de Segurança da ONU, datada de 31 de Agosto, que apela à deslocação para Darfur de um corpo de paz internacional que ajude a controlar a violência e a implementar o acordo de paz assinado no príncipio do ano. Mas é pouco provável que essa força de paz da ONU chegue alguma vez a Darfur já que o presidente sudanês descreveu como ilegal qualquer intervenção da ONU em Darfur.

O presidente sudanês, Omar al-Bashir, afirmou que tal destacamento de paz da ONU violaria a soberania do Sudão e não passaria de um cavalo de Tróia para o real objectivo, uma mudança de regime que inviabilizaria um governo islâmico, baseado na Sharia, como o actual.

Sugeriu ainda que a força de paz da ONU atrairia terroristas islâmicos para a combater uma vez que Osama Bin Laden já no passado declarou Darfur mais um alvo de «tropas Cruzadas» e apelou aos «bons» muçulmanos para irem para o Sudão combater «uma guerra de longo prazo» contra pacificadores da ONU e outros infiéis.

Enquanto a opinião pública mundial não for mobilizada e alertada para a situação de Darfur, que causa diariamente mais mortos que todo o recente e mui mediatizado conflito entre Israel e o Hezbollah, é pouco provável que haja alguma alteração na situação dos não muçulmanos em Darfur, aliás é muito provável que se nada for feito as dimensões do genocídio atinjam proporções ainda mais catastróficas.