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Dia: 17 de Agosto, 2006

17 de Agosto, 2006 Ricardo Alves

«O Crime do Padre Amaro», agora sem anticlericalismo

Num dos meus primeiros dias de férias, vi «O Crime do Padre Amaro» em filme, não na versão mexicana de 2002 mas sim na produção portuguesa com Soraia Chaves, Jorge Corrula e Nicolau Breyner. Embora as expectativas não fossem elevadas, não esperava que o filme traísse tão profundamente o original.

«O Crime do Padre Amaro» é um dos grandes clássicos do anticlericalismo português, a par de outras obras de Eça de Queiroz como «A Relíquia», do «Causas da decadência dos povos peninsulares» de Antero de Quental, de «A velhice do Padre Eterno» de Guerra Junqueiro, e de volumes de Tomás da Fonseca como «Sermões da Montanha» e «Na Cova dos Leões» (estes últimos, infelizmente, são difíceis de encontrar, mesmo em alfarrabistas). A sátira religiosa tem uma grande tradição em Portugal, com expressão popular em canções, quadras e anedotas. No cinema, tirando alguns momentos da obra de João César Monteiro, o anticlericalismo português tem poucos momentos de nota. A recente versão de «O Crime do Padre Amaro» consegue o milagre de retirar o anticlericalismo do romance de Eça de Queiroz.

Na obra original, a contradição entre as obrigações morais e «espirituais» dos homens do clero e as suas necessidades carnais são o fio condutor da narrativa. Na adaptação cinematográfica, as segundas são focadas, mas com a preocupação de não questionar as primeiras. Por exemplo: na cena do filme em que dois homens discutem a possibilidade de um deles vir a ser responsável por um aborto, nenhum deles está vestido como um padre, embora ambos o sejam, e o enquadramento esconde que a conversa tem lugar dentro de uma igreja. Eça de Queiroz exploraria a ironia da situação, em lugar de a temer.

Nota-se, em todo o filme, o cuidado de não ofender a igreja católica, e a atenção de até criar uma «estória paralela» que não existia no original e que evidencia a «acção social» do clero católico. Mais ainda, no final do filme o padre Amaro é vítima de uma tentativa de assassinato, enquanto no final do livro o padre Amaro é responsável por um infanticídio. A distância é a que vai da ousadia de Eça de Queiroz ao «religiosamente correcto» dos autores do filme. É pena, porque a combinação de nudez e anticlericalismo daria um filme inesquecível.

17 de Agosto, 2006 Ricardo Alves

«Laicidade e igualdade, alavancas da emancipação»

Henri Peña-Ruiz é um filósofo francês para o qual já chamei a atenção algumas vezes aqui no Diário Ateísta. Na minha opinião, é quem melhor expõe o sentido contemporâneo da laicidade e do combate laicista. O artigo «Laicidade e igualdade, alavancas da emancipação» ficou recentemente disponível, traduzido para português, no site da Associação República e Laicidade. Nele, Peña-Ruiz discute as razões que fundamentaram a sua posição durante o debate sobre a lei que proibiu os sinais religiosos ostensivos, em França. Peña-Ruiz fez parte da Comissão Stasi, nomeada pelo presidente francês e que defendeu a proibição do véu islâmico e outros símbolos religiosos ostensivos…

  • «A propósito das leis políticas, o padre Lacordaire afirmou o essencial: “Entre o forte e o fraco, é a liberdade que oprime e a lei que liberta.” Desse modo, em período de desemprego, a lei que disciplina os despedimentos protege os assalariados contra a ordem da força económica. Numa comunidade de direito, como na República, a lei política, vector do interesse geral, permite subtrair os relacionamentos entre os homens ao império multiforme da força. A laicidade assegura um tal requisito, ao favorecer unicamente o que é de interesse comum. Ela promove, juntamente com a autonomia moral e intelectual das pessoas, a liberdade de consciência, bem como a igualdade plena dos seus direitos, sem discriminação fundada no sexo, na origem ou na convicção espiritual.
    A laicidade nunca foi inimiga das religiões, enquanto estas se afirmam como demandas espirituais e não reivindicam o domínio do espaço público.
    (…)»
17 de Agosto, 2006 Carlos Esperança

Líbano – um intervalo na guerra

O cessar-fogo anunciado entre Israel e o Hezbollah, sob os auspícios da ONU e a mediação da União Europeia não é o fim da guerra e, muito menos, o princípio da paz.

A guerra não é entre Israel e o Líbano, é entre o sionismo judaico-cristão e o terrorismo islâmico teleguiado de Teerão, através da Síria.

De um lado há uma tendência expansionista que não tolera a autonomia da Palestina, do outro a cegueira que pretende a erradicação do Estado de Israel. O terrorismo tem raízes bíblicas que é preciso extirpar.

A Tora e o Corão são certidões da Conservatória do Registo Predial Celeste que atribuiu os mesmos terrenos a dois proprietários distintos. É por isso que terrorismo e resistência se confundem entre fanáticos que acreditam na validade do atestado de posse.

Pela primeira vez, desde a sua existência, Israel não ganhou a guerra. Reduziu o apoio dos países ocidentais e agravou o ódio dos vizinhos islâmicos sem conseguir aniquilar o Hezbollah. O seu futuro começa a ser incerto.

Certa esquerda vê em Israel a face do imperialismo e nas teocracias islâmicas amanhãs que cantam. A direita, nostálgica do colonialismo, olha com arrogância para os árabes e com volúpia para o petróleo e ninguém, nenhum país, ajuda a criar condições para que a separação da Igreja e do Estado permita as mais básicas liberdades dos povos oprimidos pelo Corão.

As derrotas dos EUA no Iraque e, agora, no Líbano, através de Israel, terão dramáticas consequências para a paz no mundo e a estabilidade das democracias. Os radicalismos levam a melhor e ganham ânimo com o simples facto de sobreviverem.

A inexperiência do Governo de Israel e a inépcia da administração Bush precipitaram o mundo num beco cuja saída será sangrenta, demorada, dramática e planetária.

17 de Agosto, 2006 Palmira Silva

Cartoons do Holocausto em exibição em Teerão

Em Fevereiro, como resposta à publicação dos cartoons sobre Maomé na génese da «guerra» dos cartoons – que trouxe mais violência a um mundo já abalado pela violência decorrente da intolerância das religiões – o presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad – um crente fervoroso na proximidade do Yawm al-Qiyamah, o dia do Juízo Final – promoveu uma competição a nível internacional de cartoons sobre o Holocausto.

Cerca de 200 dos mais de 1100 cartoons dos fundamentalistas e neo-nazis que responderam ao convite, estão agora em exibição em Teerão, numa exposição que, segundo os seus organizadores, pretende testar a realidade da liberdade de expressão como um valor fundamental ocidental. Não sei exactamente que valor ocidental pretendem testar com o cartoon do indonésio Tony Thomdean que mostra a Estátua da Liberdade com um livro sobre o Holocausto na mão esquerda e tem o braço direito erguido na saudação nazi…

Suponho que a todos os participantes neste triste evento passou completamente ao lado o poder da sátira assim como o significado de liberdade de expressão. Aliás, é-lhes alheio quer o conceito de sátira quer o de liberdade de expressão! Para não falar no conceito de soberania, já que, como apontou o Ricardo, se acharam no direito de tentar condicionar a liberdade de expressão (e o decorrente direito à blasfémia) de países em que não vivem e que talvez nem saibam situar no mapa. Isto é, pretendem condicionar até sociedades em que os muçulmanos são uma pequena minoria, alienar os direitos fundamentais em que assenta a nossa sociedade!

Esta exibição, realizada imediatamente a seguir ao cessar fogo entre Israel e o Hezbollah não é um bom augúrio. Aliás, é um verdadeiro tiro no pé. Ao contrário desta exposição, que expressa tão sómente revisonismo histórico e anti-semitismo, os cartoons de Maomé apenas caricaturavam algo que é um facto experimental e violentamente comprovado nos últimos anos: associavam o Islão radical a violência.

Associação que foi e é feita não pelos cartoons mas pelas acções, como esta exposição, (e falta de reacção em alguns casos, como o do julgamento por apostasia de Rahman) dos muçulmanos mais fundamentalistas um pouco por todo o mundo. As caricaturas de Maomé foram injuriosas apenas indirectamente na medida em que foi também a campanha de intimidação e o assalto à liberdade de expressão ocidental orquestrados como manifestação «espontânea» de indignação aos cartoons que de facto contribuiram para que muitos se apercebessem de que o Islão é uma religião de violência.

Uma religião em que o teste de lealdade não é a fé mas o martírio na luta contra os incréus (47:4) – a única forma de salvação garantida (4:74; 9:111), já que apenas os «mártires» que morrem quando assassinam não crentes têm automaticamente todos os seus pecados perdoados (4:96).

Esta exibição pública de cartoons negando e caricaturando aquela que foi uma das maiores tragédias da humanidade, em que cerca de um terço dos judeus da época foram exterminados – genocídio apenas possível devido ao anti-semitismo instilado pelas restantes religiões do «Livro» – não é uma sátira: é apenas mais uma demonstração da violência do Islão e é claramente uma provocação, a Israel e a todo o Ocidente, com um timing tudo menos inocente.

Nas palavras de Yad Vashem, da Autoridade sobre o Holocausto, este evento, vindo de um país «O Irão, uma nação que aspira a poder nuclear e cujo presidente fez inúmeras declarações genocidas em relação a Israel [aliás considera que é necessário «limpar Israel do mapa» para que o seu Mahdi, o messias, seja enviado] é uma luz vermelha faiscante assinalando perigo não apenas para Israel mas para todo o mundo iluminado».

E concordo plenamente com a afirmação de Yad Vashem de que:

«A História demonstrou que silêncio face ao mal gera más acções»!