Loading

Dia: 11 de Julho, 2006

11 de Julho, 2006 Carlos Esperança

Ainda o protocolo de Estado

PS e PSD acertaram lista do protocolo – D.N. ontem, pág. 7 (sítio indisponível)

O que está em causa, na discussão do protocolo de Estado, é mais o lugar das Igrejas na democracia do que a dimensão e o sítio em que se arruma um cadeirão para o cardeal da Igreja católica.

A relevância dos dignitários católicos é apenas um pretexto para justificar a manutenção de privilégios ancestrais e uma manobra para caçar votos à custa da influência religiosa nas opções políticas dos portugueses, discriminando as outras religiões.

O que incomoda alguns fundamentalistas é a incompetência do Estado laico em matéria religiosa, a sua incapacidade para se pronunciar sobre verdades divinas e o impedimento para decidir sobre a vontade de Deus. De resto, a separação Igreja/Estado só favorece as duas instituições e evita a promiscuidade que foi apanágio da ditadura.

Ninguém duvida da liberdade religiosa em Portugal a menos que entenda por liberdade o direito hegemónico de uma religião particular, incompatível com a Constituição e a sociedade plural em que vivemos.

Um cadeirão destinado a um prelado numa cerimónia de Estado é tão aberrante como a reciprocidade nas cerimónias litúrgicas para os detentores de altos cargos da República.

Já a exótica manifestação da vontade de incluir um descendente da família de Bragança nas cerimónias oficiais (um delírio do CDS) é ignorar que a República se ergueu contra a Monarquia e que semelhante privilégio não é concedido a nenhum descendente dos presidentes da República.

No fundo é pôr em causa o fundamento do poder e a sua origem, aceitar ou não o voto secreto e universal para cargos transitórios ou regressar ao direito divino para funções vitalícias e hereditárias.

11 de Julho, 2006 lrodrigues

Como um ateu vê um crente

Acho que uma pessoa que crê em Deus, chame-lhe Jesus Cristo, Alá ou qualquer outra coisa parecida, ou o sinta somente como uma «força superior inexplicável», não se apercebe verdadeiramente do que pensa um ateu sobre a crença numa qualquer divindade.

Ainda há poucos dias um piedoso seguidor das virtudes místicas do Papa Bento XVI me declarou, e muito convictamente, que não acreditava que nenhum ser humano poderia, por natureza, ser verdadeira e inteiramente ateu.
Vai para o Céu, coitado…

Mas talvez o consiga explicar através desta singela história:

Durante a 2ª Guerra Mundial os americanos ocuparam uma pequena ilha do Pacífico para ali instalarem uma base militar de abastecimentos.
A ilha era habitada por uma pequena tribo que vivia praticamente ainda na Idade da Pedra.

Mal chegaram, os americanos construíram uma pista de aviação, uma torre de controle, alojamentos, e instalaram toda a parafernália de equipamentos que é possível imaginar.
Como é de calcular, os habitantes da ilha conheceram com os americanos uma inesperada época de prosperidade e abundância.

Quando terminou a guerra, os americanos embalaram a trouxa e foram-se embora.
E lá terminou a Coca-cola e a abundância para aquela gente, novamente isolada do resto do mundo.

Meia dúzia de anos mais tarde, alguém regressou à ilha e constatou uma realidade curiosíssima:

Os nativos da ilha tinham desenvolvido um culto religioso a um Deus a que chamavam «Cágau» uma corruptela de «Cargo» ou carga, em inglês.
Mantinham a velha pista de aviação limpa, construíram uma espécie de torre de controle em canas e tinham criado uma casta de sacerdotes e uma complexa mitologia que explicava que um dia haveriam de descer dos céus uns messias, uns deuses de pele branca que viriam novamente trazer grande prosperidade ao povo.
E diariamente realizavam cerimónias religiosas conduzidas por sacerdotes na pista de aviação, em que apelavam à descida à terra daqueles entes misteriosos, supremos e omnipotentes.

Posto isto,
Que pensa desta história um qualquer cristão, muçulmano ou judeu?
Que pensará desta história, por exemplo, um católico?

Presumo, em primeiro lugar, que não lhe passará pela cabeça proibir os nativos da ilha de praticarem livremente o seu culto ao Deus «Cágau».
Aqui há uns anos atava-os a uns postes e deitava-lhes fogo. Mas (Deus o livre) agora não.
Quanto muito, pensará em enviar para o local meia dúzia de missionários para os evangelizar, mas isso é outra história.

Decerto olhará para aqueles nativos, antes de mais, simplesmente como uma interessante curiosidade antropológica.
Decerto os olhará, não com sobranceria ou superioridade, mas com um sensação mista de “diferenciação” intelectual e pessoal pelo curioso primitivismo daquela “pobre gente” da Idade da Pedra.
Terá até alguma pena pelo desperdício de tempo gasto com o culto a um Deus inexistente, como é o Deus «Cágau» (que toda a gente sabe que não existe).
E terá também pena pela certeza absoluta da inutilidade dos ritos religiosos que, por mais sentidos que sejam, que por muita fé e fervor que revelem por parte dos «fiéis», não trarão nunca de volta a prosperidade dos deuses de pele branca.
E terá também assim uma espécie, e sem qualquer conotação pejorativa, de sensação de quase… ridículo.
Estou até convencido que quando pensa na infantilidade daquela “pobre gente” esboça até um sorriso…

Pois bem:
Façam-me o favor de considerar que é precisamente assim que um ateu vê um cristão, um muçulmano, um judeu ou qualquer outro teísta, tenha ou não a sua fé uma designação atribuída, chame-lhe ou não «uma força superior inexplicável».

Vê-o exactamente, não com superioridade ou sobranceria, mas como uma mera e simples curiosidade antropológica, tão primitiva que é até oriunda da Idade da Pedra.
Vê os ritos e os cultos que o crente pratica como um lamentável desperdício de tempo e tem até pena daquela “pobre gente” pela infantilidade e completa inutilidade dessa prática.
Lamenta até as vidas humanas completamente perdidas e desperdiçadas em oração, em contemplação, em auto-amesquinhamento e em louvor do “Senhor” quando, de facto, não há “Senhor”, não há Deus «Cágau» nenhum.

É assim, tão simples como isso!

Nem sequer são necessárias quaisquer considerações filosóficas ou explicações muito elaboradas.
Como nem sequer são precisas teologias, teosofias, teodiceias e outras coisas começadas por “teo”, ao fim e ao cabo completamente inúteis, porque sob a capa de grandes lucubrações intelectuais, e até com alguma graça, diga-se, procuram unicamente justificar e explicar a existência de algo… que não existe.

Simplesmente porque o ateu vê a religião que o crente pratica, a «fé» que orgulhosamente exibe e os ensinamentos de Deus que apregoa, assim como uma espécie (e sem qualquer conotação pejorativa) de sensação de quase… ridículo.

E quando pensa nisso, e na infantilidade daquela “pobre gente”, o ateu muitas vezes esboça até um sorriso.

Mas não por muito tempo:
Porque pensar nos milhões de pessoas que ao longo dos tempos foram mortas em nome desse patético conto de fadas, desse culto ao nada, dessa mera curiosidade antropológica, inútil, mesmo infantil e até um pouco ridícula, não dá vontade de rir realmente nenhuma…

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

11 de Julho, 2006 jvasco

Agnosticismo e Ateísmo: o esclarecimento impõe-se

A definição de ateísmo e agnosticismo não é consensual. Diferentes autores usam diferentes topologias para descrever as possíveis crenças pessoais, muitas delas contraditórias entre si.
Embora seja comum as pesoas pensarem que o agnosticismo e o ateísmo são posições incompatíveis entre si, muita literatura sobre o assunto não considera essas posições como sendo mutuamente exclusivas.

Para que não existam mal-entendidos de futuro, explico neste artigo qual a terminologia que geralmente uso quando me refiro a estes termos.

O ateísmo e a crença:
Vários indivíduos acreditam num Deus particular (ou em vários Deuses), pelo que são crentes. Chamo ateu a qualquer indivíduo que não seja crente.

Assim sendo, esquematicamente, a sociedade pode ser dividida da seguinte forma:

Vários ateísmos:
Muitas das pessoas que se dizem agnósticas, fazem-no para efectuar uma distinção entre diferentes formas possíveis de ateísmo. Existem duas distinções essenciais: ateísmo implícito e explícito; e ateísmo forte e fraco.

A diferença entre ateísmo implícito e explícito é a seguinte: enquanto que o ateu explícito acredita positivamente que Deus não existe, o ateu implícito, embora não acredite em Deus, também não acredita necessariamente na sua inexistência.

A diferença entre ateísmo fraco e forte é outra: enquanto que o ateu fraco admite a possibilidade de, perante certos indícios ou provas, deixar de ser ateu, o ateu forte acredita que tais provas ou indícios são simplesmente impossíveis de surgir.

Naturalmente um ateu forte só poderá ser um ateu explícito, embora muitos ateus explícitos possam ser ateus fracos.

Completando o esquema anterior vamos obter:

O agnosticismo:
É agnóstico aquele que afirma não saber se Deus existe.

Assim sendo, um crente pode ser agnóstico se não tiver a certeza que Deus existe. Qualquer ateu fraco (que inclui todos os ateus implícitos e muitos ateus explícitos) será também agnóstico. Ser agnóstico e ateu é portanto compatível.

O esquema que se segue divide a sociedade entre os que são agnósticos e os que não são. A cinzento escuro estão os agnósticos:



Agnosticismo fraco e forte:

Enquanto que o agnóstico fraco, não tendo actualmente a certeza acerca da existência de Deus, encara a possibilidade de vir a conhecer a resposta frente às provas ou indícios apropriados, o agnóstico forte crê que a existência de Deus é um problema intrinsecamente impossível de resolver, e que nunca se poderá saber se Deus existe ou não.

O esquema pode portanto ser completado, representando a cinzento escuro os agnósticos fracos, e a preto os agnósticos fortes:

Neste caso, o pontinho amarelo representa a minha posição pessoal. Em última análise não acredito que se possa saber nada com certeza (a não ser que existo enquanto ser pensante, já dizia o outro), embora enquanto empirista considere que os indícios tornam certas hipóteses mais plausíveis que outras, e é mero bom senso acreditar nas hipóteses mais plausíveis.

Assim sendo, da mesma forma que não sei se a força da gravidade existe, mas acho mais plausível que exista do que uma gigantesca coincidência ter feito biliões de partículas movendo-se ao acaso terem-se portado até agora, por coincidência, como se existisse – e então acredito na força da gravidade – sou um agnóstico forte, mas acredito positivamente que Deus não existe. É a mera escolha da hipótese mais plausível dados os indícios e provas a que tenho acesso.