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Dia: 23 de Abril, 2006

23 de Abril, 2006 Carlos Esperança

Ratzinger – 1 ano de conspiração

«B16: balanço de um ano na luta católica contra a modernidade» é um dos melhores textos sobre a actuação do último déspota de tiara. Ricardo Alves escalpeliza com precisão cirúrgica os 12 meses de despotismo, protagonizados pelo sucessor de JP2.

O Sapatinhos Vermelhos, que gosta de encobrir as orelhas dentro de um confortável camauro, tem a mesma sede de poder do seu antecessor, sem o ridículo da superstição nem a mais leve suspeita de acreditar no Deus que lhe alimenta o fausto.

A religião foi sempre uma forma de repressão, instrumento de poder absoluto, a Espada de Dâmocles suspensa sobre a cabeça dos livres-pensadores. O peso das religiões varia na razão directa do poder do clero e na inversa dos direitos dos cidadãos.

A ICAR tem atrás de si um passado pouco recomendável, que se esforça por minimizar, mas não deixa de reivindicar a influência passada quando pretende impor, em nome da tradição, a prepotência e os privilégios.

Apesar da desolação do movimento «Nós Somos Igreja», uma associação que pretende reconciliar o catolicismo com a modernidade e os Direitos Humanos, nomeadamente a igualdade entre os sexos, ninguém esperava deste inquisidor a mais leve hesitação no regresso às práticas mais retrógradas da ICAR.

O que surpreende muitos observadores é o silêncio das vozes moderadas, dos núcleos democráticos, dos crentes não fanatizados. Creio que há uma única explicação, essas vozes há muito trocaram Deus pela democracia, o Papa pela sua consciência e a hóstia pela liberdade.

Hoje, enquanto as igrejas ficam vazias e os seminários desertos, Ratzinger procura no modelo islâmico o paradigma da sua própria Igreja: o proselitismo demente, o martírio de crentes fanatizados e um Paraíso à medida das aspirações mais doentias, com casas de alterne cheias de virgens à espera das santas bestas que antecipam a viagem.

Por ora, enquanto perde crentes, vai conquistando poder. Ameaça governos, infiltra aparelhos de Estado e influencia partidos políticos. O sonho do autocrata é a teocracia católica.

O Papa não ignora que a democracia, a separação do Estado e da Igreja, a emancipação da mulher e a Declaração Universal dos Direitos Humanos são o triunfo do laicismo contra a tirania do poder eclesiástico.

É contra este estado de coisas que o pastor alemão espuma de raiva no antro do Vaticano.

23 de Abril, 2006 Palmira Silva

Uma serpente com pernas


Os últimos tempos têm sido fertéis na descoberta de fósseis de transição entre espécies, evidências indiscutíveis da evolução que os fundamentalistas cristãos negam acefalamente em favor da sua absurda mitologia.

Na última Nature (link para o resumo do artigo, o acesso à versão completa é reservado a assinantes) foi apresentado um trabalho de uma equipa sul-americana que pode pôr fim a uma acesa controvérsia sobre a evolução das serpentes, de animais marinhos ou terrestres. O zoólogo Hussam Zaher, cientista do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, em colaboração com o palentólogo Sebastián Apesteguía, do Museu Argentino de Ciências Naturais Bernardino Rivadavia, apresentam os detalhes anatómicos dos fósseis da mais antiga espécie de cobra já encontrada, a Najash rionegrina, uma serpente que viveu no Cretáceo Superior (há 90 milhões de anos) e que apresenta patas traseiras funcionais, completas com femora, fibulae, e tibiae, e pélvis.

«A gente espera que esse trabalho provoque uma certa revoluçãozinha, trazendo uma baforada de ar fresco sobre o debate da origem das serpentes e rejeitando a hipótese da origem marinha» afirmou Zaher.

Os criacionistas do site humorístico «Respostas no Genésis», AiG, que ainda têm atravessada uma espinha do Tikataalik rosae, continuam a debitar prosas hilariantes no seu afã de refutarem as evidências experimentais da evolução. Em relação à Najash rionegrina acho especialmente divertido o parágrafo que reza:

«A AiG é cautelosa acerca da comparação desta serpente fóssil com a serpente de Génesis 3:14 [a tal que provocou a dentadinha no proíbido fruto do conhecimento]. Em primeiro lugar, não sabemos muito acerca da anatomia dessa serpente. Mas podemos oferecer uma sugestão razoável de que seria capaz de andar ou rastejar; depois da serpente ser amaldiçoada foi pronunciado que «no teu ventre rastejarás» sugerindo que antes da queda se movia usando apêndices. De igual forma este fóssil resulta provavelmente do Dilúvio de Noé, um acontecimento que teve lugar 1500 anos depois de a serpente ser amaldicoada a rastejar sobre o ventre».

Ou seja, os criacionistas cristãos advertem os crentes para não confundirem esta serpente que tem «só» 4500 anos com a serpente andante do pecado original porque esta última viveu… há 6000 anos! Santa ignorância! Em relação aos argumentos imbecis, incoerentes e mutuamente contraditórios que usam para afirmarem que a Najash não é uma evidência para a evolução, parecem os argumentos invocados para chamar à banana «o pesadelo dos ateístas» (vale a pena seguir o link e ver em vídeo, ao vivo e a cores, os delírios criacionistas cristãos no seu esplendor, especialmente do tempo 3:30 ao 4:36. Quem tiver paciência pode assistir a 28 minutos de puro disparate, ou antes, pura «lógica» cristã, tipo provar que não existe urânio em Portugal porque por (re)definição o urânio é um metal que não existe em Portugal).

Tanto quanto eu saiba o Discovery Institute, que recentemente se insurgiu por ser correctamente descrito como um «think tank conservador cristão» num artigo de um jornal de estudantes na Universidade de Baylor, ainda não produziu nenhuma falácia IDiota sobre a serpente com pernas.

23 de Abril, 2006 Palmira Silva

A teoria da evolução é uma invenção demoníaca

Para a semana John Mackay, um criacionista australiano, inicia uma tournée de dois meses pelos redutos fundamentalistas cristãos britânicos, sossegando crentes da inenarrância da Bíblia, mais concretamente do Genesis, com prelecções imbecis sobre a real idade da Terra (alguns milhares de anos e não milhões) e dissertações surreais sobre supostas provas «científicas» que suportam o criacionismo, o grande dilúvio e a arca de Noé e refutam a evolução.

Mackay é um firme crente e fervoroso disseminador da teoria que a «crença» na evolução foi introduzida por Satanás, uma perversão que infiltrou as sociedades ocidentais e que os missionários cristãos têm como obrigação impedir de se espalhar pelo Terceiro Mundo:

«Satanás só recentemente iniciou a introdução da evolução no Terceiro Mundo com o objectivo de destruir o esforço missionário. Armemo-nos primeiro com a nossa armadura espiritual e providenciemos aos missionários do Terceiro Mundo e a outros as armas para levar a guerra contra as subtilezas de Satanás que procura minar a confiança na palavra de Deus e no trabalho missionário»

A tournée (humorística, não fora ser tão preocupante) inclui um retiro de uma semana com 40 famílias, a Family Creation Conference, em que são abordadas questões tão importantes como: antes do pecado original as abelhas davam ferroadas? Ou havia migrações dos pássaros? E que comiam os grandes tubarões brancos?

O problema com o criacionismo em Inglaterra reside no facto de ser ensinado em muitas escolas evangélicas e na sua versão mais soft, o neo-criacionismo ou IDiotia, sob os auspícios da ministra da Educação Opus Dei, Ruth Kelly, do governo de Tony Blair, ir ser apresentado a todos os estudantes britânicos. Como afirma Steve Jones, um especialista em genética, sugerir que o criacionismo em qualquer forma seja ensinado lado a lado com a evolução é equivalente a «iniciar uma aula de genética discutindo a teoria de que os bébés são trazidos por cegonhas». A Royal Society aliás expressou recentemente a sua preocupação com os ataques cerrados à ciência e à evolução por parte dos fundamentalistas cristãos e as suas manobras para introduzir nos currricula de ciências a teoria cientificamente absurda de que Deus criou mundo.

Steve Jones citou Darwin «a ignorância gera confiança mais frequentemente que o conhecimento; são aqueles que sabem pouco e não aqueles que sabem muito que asseguram que este ou aquele problema nunca serão resolvidos pela ciência» para concluir «A ciência tem provas sem pretender certezas, os criacionistas – têm certezas sem provas».

De facto, o problema das religiões é em minha opinião exactamente esse: todas as religiões são detentoras da verdade absoluta «revelada» que pela sua própria natureza não pode ser alvo de dúvidas, discussão ou refutação. Se um dos aspectos desta fé, que se traduz numa segurança confortável e confortante, é posto em causa ou dá origem a dúvidas então todo o sistema pode colapsar. Por isso o pior inimigo das religiões é o conhecimento, nomeadamente o científico.

Por outro lado este fundamentalismo, esta fé no absolutismo das verdades reveladas, é um catalizador para violência. Se a segurança de alguém está ligada a um sistema de crenças, a uma religião que se afirma a detentora da verdade absoluta revelada por Deus, que recompensará no «Além» os seus seguidores e que afirma que quem refuta essas verdades são aliados do demo, então é perfeitamente legítimo destruir os demoníacos não crentes na defesa e propagação dessas verdades absolutas!