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Dia: 24 de Fevereiro, 2006

24 de Fevereiro, 2006 Palmira Silva

Guerras da religião em escalada

Depois do ataque bombista que destruiu a cúpula da mesquita de al-Askari, um dos locais mais sagrados dos shiitas, o Iraque está mergulhado no que ameaça ser uma guerra civil entre shiitas e sunitas.

Também da Nigéria chegam notícias pouco auspiciosas de confrontos religiosos entre muçulmanos e cristãos, que, se não forem controlados, podem evoluir para uma guerra civil.

Como já tinha referido, desde 2000 a Nigéria tem sido palco de violentas confrontações entre muçulmanos e católicos que causaram milhares de mortes e de refugiados. Desde 2001, quando os mais violentos confrontos se verificaram, o norte da Nigéria, em que muitos estado adoptaram a Sharia em 2000 e onde se verifica um programa agressivo para forçar a lei islâmica (wahhabita) a todos os habitantes, tem assistido uma escalada de tensão entre religiões, que culminou no fim de semana passado em manifestações anti-cristãs que causaram a morte a cerca de 50 cristãos, incluindo dois padres, e resultaram na destruição de igrejas, casas e lojas pertencentes a cristãos.

A Associação Cristã da Nigéria (CAN) avisou há uns dias que os cristãos poderiam retaliar do sucedido, tendo o seu dirigente máximo, o arcebispo Peter Akinola, relembrado «Podemos nesta altura recordar aos nossos irmãos muçulmanos que eles não detêm o monopólio da violência nesta nação».

E de facto a violência da retaliação cristã abateu-se sobre os muçulmanos residentes no sul da Nigéria, onde são maioritários os cristãos, nos últimos dias. Multidões de cristãos em fúria assassinaram e queimaram mesquitas um pouco por todo o Sul do país. Na cidade de Onitsha cerca de 80 pessoas foram assassinadas e um bairro muçulmano com cerca de 100 casas foi completamente arrasado.

Nesta cidade, Ifeanyi Ese, um cristão de 34 anos, afirmou sobre os restos do que fora uma mesquita: «Nós não queremos mais estas mesquitas. Estas pessoas têm causado problemas em todo o mundo porque não têm medo de Deus». E escreveu no que restava de uma parede da mesquita «Maomé é um homem mas Jesus é divino».

Como o Diário Ateísta vem há muito escrevendo as guerras da religião, não guerras de civilizações, são a ameaça anacrónica da modernidade. E, como também escrevemos, todos os fundamentalismos são iguais; não há fundamentalismos bons e fundamentalismos maus. A reacção ao fundamentalismo islâmico não pode ser, como muitos advogam, o fundamentalismo cristão. Apenas na laicidade reside a esperança de paz neste mundo conturbado violentamente por guerras de religiões.

24 de Fevereiro, 2006 fburnay

Delírios Astrais (II)

Aos olhos de muitos, as rigorosas regras da Astrologia têm um aspecto sério, científico. Este é o primeiro erro ao avaliar a qualidade científica de uma dada prática. A seriedade laboratorial e o respeito pelas normas de trabalho são obviamente parte do trabalho científico. Mas isso não é tudo. É que as regras da Astrologia são perfeitamente arbitrárias. E porquê?

Por várias razões. Só é possível calcular o mapa astrológico de alguém que tenha nascido à superfície da Terra. Para quem nasceu, hipoteticamente, em Vénus, com período de rotação contrário ao da Terra, qual será o seu ascendente? O que dizer então de quem nasce a orbitar Aldebarã, uma estrela da constelação zodiacal do Touro? Para essa pessoa o seu signo será sempre Escorpião, já que é a constelação oposta ao Sol? Poderá eventualmente argumentar-se que uma possível projecção topográfica na superfície da Terra daria as coordenadas correctas. Nesse caso a necessidade de saber exactamente a posição geográfica desvanecer-se-ia! Seja como for, o que dizer então de quem nasça no centro da Terra? Será uma singularidade astrológica? Entrando mais em detalhe, já que a Astrologia permite calcular mapas de quaisquer eventos, qual é o mapa astrológico da formação do Universo? E o do Sistema Solar? E quem viaja a velocidades suficientemente grandes (só para contrariar a noção clássica de simultaneidade) necessitará de uma correcção relativista?
Se tivermos ainda em conta a precessão dos equinócios (a trajectória elíptica da Terra em torno do Sol roda em relação ao fundo de estrelas) então as coisas complicam-se ainda mais. Na Antiguidade o Sol não passava nas mesmas constelações que passa hoje na mesma altura do ano e hoje em dia os signos estão todos desfasados.

E o que dizer de Urano, Neptuno e Plutão, que só foram descobertos em 1781, 1846 e 1930 respectivamente? Se a distância de um astro não é relevante, isso significa que todos os mapas astrológicos feitos antes destas descobertas estão errados?

Todas estas questões algo pueris partem de um detalhe muito simples. A Astrologia baseia-se numa hipótese de geocentricidade absoluta e de um Universo imutável. A invariabilidade da esfera celeste é imprescindível. Daqui a poucos milhares de anos a estrela polar não estará mais no Pólo Norte mas um pouco ao lado. As constelações desvanecer-se-ão. O próprio Sol não é eterno. Os antigos não sabiam disso. Hoje em dia como pode uma pessoa continuar a acreditar piamente neste tipo de previsões?

Há quem argumente que a Astrologia não é mais que uma compilação de sabedoria antiga, uma mnemónica mística. Mas já entre os antigos havia sábios que não iam nas cantigas dos astrólogos. O próprio Kepler, teorizador da Astrologia que teve de sobreviver parte da sua vida à sua custa, considerava-a um assunto «oco e estúpido». É que na Antiguidade já havia charlatanice. Este tipo de intrujice é naturalmente mais fértil num clima de ignorância e credulidade.

A Astrologia é uma farsa. Pode ser interessante conhecer as suas origens, a sua mitologia. Fora isso é uma disciplina estéril e supersticiosa. Mas a charlatanice continua e o grave disto tudo é haver quem a leve a sério.

Publicado em simultâneo no Banqueiro Anarquista

24 de Fevereiro, 2006 fburnay

Delírios Astrais (I)

A Astrologia é uma arte divinatória que consiste em interpretar o céu pressupondo que existe um paralelismo entre a vida terrena e as posições dos corpos celestes. Os astrólogos dizem-se capazes de aconselhar quem os procura baseando-se para isso em medições astronómicas e a alguns cálculos astrológicos. Há variadíssimos tipos de astrologia desde a babilónica, grega, medieval ou moderna à chinesa, tibetana ou cabalística. Haverá certamente semelhanças e diferenças entre elas mas todas se unem na crença de que os céus são um espelho da vida dos homens.

O interesse na observação astronómica na Antiguidade confunde-se entre a ciência observacional no estudo dos astros, o dividendo tecnológico para navegação e orientação em viagem e a previsão do futuro. Quando Kepler se tornou Matemático Imperial da corte de Rudolfo II em 1601 o cargo de Astrólogo Imperial estava implícito.

A influência dos astros está longe de ter comprovação experimental. No passado, fenómenos e termos estranhos à maioria das pessoas como a gravidade ou o electromagnetismo (o magnetismo animal de Mesmer adoptado por Allan Kardec, por exemplo) eram indicados com estando na origem da ligação aos corpos celestes. Hoje em dia poucos astrólogos defendem essa hipótese já que as distâncias da Terra aos planetas mencionados em Astrologia tornam irrisórias quaisquer influências nesses termos. O que se afirma é que a posição dos astros na esfera celeste pela altura do nascimento de uma pessoa (ou da altura em que ocorre determinado evento) é que é determinante para a análise astrológica.

Em alternativa a questionar a fantasmagórica influência que os astros supostamente têm sobre as pessoas ou a sua taxa de sucesso bem embaraçosa (e segura por arames com argumentos ad hoc), um outro tipo de exercício, bem mais simples, permite recusar qualquer pretensão de seriedade que a Astrologia (ou os astrólogos) tenha.


A eclíptica e os signos zodiacais, a Levante

A astrologia horoscópica que está na base da astrologia moderna, popular na cultura ocidental, baseia-se no cálculo do signo e do ascendente de uma pessoa. O percurso aparente do Sol na esfera celeste, ao longo do ano, define uma linha chamada eclíptica. As constelações no fundo dessa linha definem os 12 signos. O signo solar de uma pessoa depende da sua data de nascimento. Corresponde à constelação que a posição do Sol tem como fundo no momento em que essa pessoa nasce. O ascendente (em grego, horoskopos) calcula-se tendo em conta a data, hora e local geográfico de nascimento da pessoa – a constelação zodiacal que nasce no horizonte, a Este, determina-o. A partir daí, alegadamente, é possível prever os traços de personalidade e aconselhar o interessado quanto às decisões a tomar no futuro.