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Dia: 9 de Janeiro, 2006

9 de Janeiro, 2006 Palmira Silva

Consagração clandestina

Na edição de quinta feira do periódico The Wall Street Journal podemos apreciar uma notícia algo insólita: uma consagração clandestina da sala de audiências onde começou hoje a ser ouvido Samuel Alito, o Opus Dei nomeado por Bush para o Supremo Tribunal.

Insistindo que Deus «necessita ser envolvido», certamente para diminuir as hipóteses de Alito ser «chumbado» pelos democratas, não obstante toda a pressão exercida pelos teocratas republicanos, que veêm na ascensão de Alito ao Supremo a crónica da morte anunciada da laicidade consagrada pelos Pais Fundadores e do «pecaminoso» aborto legal, três cristãos fundamentalistas abençoaram quinta-feira as portas da sala onde decorrem as audiências.

Quando os guardas os impediram de entrar na sala os devotos católicos informaram-nos que já tinham «consagrado» (clandestinamente, claro) a sala na véspera, num ritual completo com todos os hocus-pocus considerados necessários. Que incluiram rezas por todos os membros da comissão que vai ouvir Alito e a unção de cada um dos lugares da sala com óleo «sagrado».

A operação foi levada a cabo por três dos mais destacados fundamentalistas das chamadas guerras culturais (na realidade guerras religiosas) que assolam os Estados Unidos: Rob Schenck, presidente do National Clergy Council, Patrick Mahoney, director da Christian Defense Coalition e Grace Nwachukwuand, secretária-geral da Faith and Action . Os três devotos foram identificados como pertencendo a organizações diferentes mas na realidade são apenas três frentes (para parecerem muitos e angariarem mais dinheiro) do mesmo exército, que operaram conjuntamente em várias operações de guerrilha como sejam a «Operação Natividade», um ponto alto da inventada «Guerra ao Natal», passando pelos psicodramas montados em torno de Terri Schiavo, ou das várias contestações à presença dos Dez Mandamentos em salas de tribunais americanos, para além de, claro, terem sido igualmente vocais na defesa de Roberts, a mais recente adição ao Supremo.

9 de Janeiro, 2006 Carlos Esperança

Escândalo na Guarda

Há cerca de cinco anos houve na Guarda um pio escândalo, humano e divertido. Só surpreende que a comunicação social, tão ávida a espreitar pelo buraco da fechadura dos políticos, não se atrevesse a explorar um escândalo religioso.

Junto ao antigo Hospital Distrital e, até há pouco, local das Urgências, havia, e há, um lar de idosos. Ali esteva internada D. Márcia, depois de enviuvar, carregada de anos e de haveres, até Deus ser servido de a chamar à sua divina presença, como soe dizer-se.

No início dormia no excelente apartamento que comprara, ali próximo, e passava o dia no lar, onde comia, com pessoas da sua idade. Depois passou a pernoitar e ocupou um óptimo quarto que o os rendimentos lhe permitiam pagar.

D. Márcia não teve filhos. Era muito devota, temente a Deus, amiga da missa, confissão e eucaristia. Rezava o terço desde o tempo em que a irmã Lúcia o recomendou contra o comunismo a rogo da Virgem que poisava na azinheira.

No lar, além do tratamento esmerado, tinha a solicitude cristã de piedosas freiras que a assistiam nas rezas e nos caprichos – lindas moças cuja beleza o hábito encobria, mulheres espantosas a quem a fé não destruiu a natureza.

A solidariedade cristã levou D. Márcia a emprestar-lhes a chave do apartamento para pias reuniões que as esposas do Senhor certamente fariam ad majorem Dei gloriam.

Uma noite D. Márcia foi a casa e, estupefacta, escutou suspiros cuja origem a idade não lhe permitia recordar. Sentiu alegria no ar, risos, satisfação, quiçá, gemidos do êxtase.

Perante a dúvida, primeiro, e a indignação, depois, não era uma cerimónia litúrgica, o calvário recriado aos pulos ou o mês de Maria, com coreografia, o que D. Márcia viu. Eram as freiras e mancebos desnudos, numa cerimónia colectiva a evocar Adão e Eva no Paraíso e a folgarem.

D. Márcia achou perdido o mundo e exigiu a chave, o provedor da Misericórdia e a diocese transferiram as freiras para parte incerta, a cidade murmurou, exultaram os ímpios e cochichou-se pelos becos.

O escândalo foi abafado, certamente para evitar aos homens casados perturbações familiares e às freiras um despedimento sem justa causa.