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Dia: 18 de Abril, 2009

18 de Abril, 2009 Ludwig Krippahl

Treta da semana: A honestidade do milagre.

O Bispo Auxiliar de Lisboa, Carlos Azevedo, escreveu ontem no Correio da Manhã sobre o que chamou “desonestidade ateísta”: «Porque respeito e considero o ateísmo atitude séria, estranho esta campanha anticatólica, mascarada de ateísta. Afirmar que Nuno Álvares Pereira foi canonizado graças a um milagre que ridicularizam, é desonesto.»(1)

Eu, ateu, não respeito o ateísmo nem o considero intrinsecamente sério. Enquanto atitude, o meu ateísmo pessoal é tão sério quão sério me sinto no momento. Sou ateu tanto a sorrir como a franzir o sobrolho. E enquanto ideia acerca deste universo o ateísmo não merece respeito. Nem deve ser respeitado. Como qualquer ismo, deve ser avaliado e discutido sem o pudor e a parcialidade que o respeito obriga. O respeito reservo-o só para quem sente. Não o desperdiço em ideias abstractas. E uma forma de respeitar as pessoas é precisamente pela critica frontal e justificada das ideias que propõem. Menos que isso é condescendência ou aldrabice, e nenhuma dessas é respeito.

A primeira ideia a criticar é que os ateus que troçaram do milagre do óleo conduzem uma «campanha anticatólica, mascarada de ateísta.» Não é verdade. Se há campanha é antitreta. Aos católicos que se sintam especialmente visados recomendo que dependam menos dos milagres para a sua fé ou que mudem de Papa. Melhor ainda, façam ambas.

Mas a tese central de Carlos Azevedo é ser desonesto «[a]firmar que Nuno Álvares Pereira foi canonizado graças a um milagre». No entanto, ele próprio admite que o milagre foi uma das condições necessárias à canonização: «A canonização […] tem como razão primeira as virtudes fora do comum […]: entrega total ao serviço da pátria, confiança absoluta em Deus, perdão, partilha, serviço aos pobres. A segunda prende-se com a fama de santidade[…]. Só em terceiro lugar se atende, como confirmação, à ocorrência de um milagre».

As criticas dos ateus e da Associação Ateísta Portuguesa (AAP) não visaram as virtudes patrióticas de Nuno Álvares Pereira nem a opinião popular. Não me oponho que o considerem um patriota nem me diz respeito que Guilhermina de Jesus lhe peça milagres. A crítica foi à confirmação por um milagre que não é preciso ridicularizar de tão ridículo que é. E esta crítica não depende do milagre ser a única razão para canonizar o estimado general. Haver outras razões é irrelevante. A fantochada é a mesma.

E, por falar em desonestidade, Carlos Azevedo afirma também que «É o mesmo anticatolicismo primário a motivar o desacordo com o facto de o Presidente da República integrar uma Comissão de Honra que promove comemorações destinadas a valorizar a dimensão nacional de Nuno Álvares Pereira.». Isto é falso. O problema que a AAP apontou não foi a valorização da “dimensão nacional” de ninguém (2). O problema é o Presidente da República e vários dignatários do governo representarem o nosso país numa missa católica, no Vaticano, celebrada pelo Papa para comemorar o selo de “santo” que esta igreja atribui ao Nuno Álvares Pereira. Que não é santo por ter sido bom general ou bom português. É por ter demonstrado «confiança absoluta em Deus». No deus dos católicos, entenda-se. Se fosse ateu, judeu, muçulmano ou budista o Papa não o canonizava, por muita virtude que tivesse.

Como respeito as pessoas aceito, e defendo, que cidadãos como Aníbal Cavaco Silva e Carlos Azevedo são livres de crer no que quiserem e o celebrarem como entenderem. Mas esse mesmo respeito pelas pessoas faz-me opor à participação oficial do estado português nesta missa. A condecoração da santidade católica exalta e reconhece a fidelidade ao deus dos católicos. Tanto por decência como pela constituição o estado deve isentar-se destas matérias, não galardoando ou censurando ninguém por fidelidade a qualquer deus. E uma parte integrante deste processo de canonização é a crença supersticiosa que o fantasma de Nuno Álvares Pereira vagueia pelo éter, ouve preces e convence esse deus a fazer milagres.

Carlos Azevedo conclui, como é costume nestas coisas, afirmando que «A identificação […] entre religião e superstição é enganadora e velha.» Velha, é. Tão velha como ambas. Mas que é enganadora, como também é costume, só afirma. Como muitos outros, fica aquém de explicar a diferença entre a superstição e a crença em milagres.

1- Carlos Azevedo, CM, 17-4-09, O Alicerce das Coisas, Desonestidade ateísta
2- Comunicado da AAP, 5-4-09, A canonização de Nuno Álvares Pereira

Em simultâneo no Que Treta!.

18 de Abril, 2009 Carlos Esperança

Conferência sobre ateísmo

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Conferência sobre o ateísmo, realizada dia 17 de Abril,  graças ao esforço e dedicação do nosso consócio Manuel Fernandes, na Cooperativa Cultural e Popular  do Barreiro. Aqui ficam imagens, da mesa e da assistência,  sobre o acontecimento.

Nota: O Diário Ateísta agradece à AAP e a Vítor Santos as fotos e o relato do acontecimento.

18 de Abril, 2009 Carlos Esperança

Resposta ao bispo Carlos Azevedo – AAP

A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) contesta o artigo do senhor bispo católico, Carlos Azevedo, no Correio da Manhã, com acusações cuja legitimidade respeita mas que francamente repudia.

Regozijamo-nos, naturalmente, com a consideração e respeito que o senhor bispo diz ter pelo ateísmo, afirmação surpreendente face à excomunhão papal, às perseguições da Igreja católica e à forma como ele próprio se refere à AAP. Recordamos-lhe, a propósito, a peregrinação a Fátima de 13 de Maio de 2008, «contra o ateísmo» e a convicção do senhor patriarca José Policarpo: «Todas as expressões de ateísmo, todas as formas existenciais de negação ou esquecimento de Deus, continuam a ser o maior drama da humanidade».

Insólita num bispo católico, registamos a referência à «debilidade de todos os sinais da presença de Deus», numa arrojada manifestação de agnosticismo mitigado.

Mas o senhor bispo percebeu mal, ou deturpou, a posição da AAP em relação à canonização de Nuno Álvares e à lamentável cobertura que o Presidente da República, o Presidente da AR, membros do Governo e deputados deram à canonização, incompatível com um Estado laico onde é legítimo exaltar as virtudes do herói mas inaceitável rubricar os milagres de um santo.

Diz o senhor bispo Carlos Azevedo que «afirmar que Nuno Álvares Pereira foi canonizado graças a um milagre, que ridicularizam, é desonesto», como se fosse a Associação Ateísta a inventar o milagre, e não a Igreja católica, e como se o milagre  não fosse condição sine qua non para a canonização. Que o senhor bispo se envergonhe do milagre obrado no olho esquerdo de D. Guilhermina, queimado com óleo fervente de fritar peixe, à custa de duas novenas e um ósculo numa imagem do Condestável, é um problema seu.
O senhor Patriarca Policarpo preferia a canonização por decreto, como afirmou publicamente, à exigência de Bento XVI que, na opinião do teólogo Hans Küng, está a devolver a Igreja à Idade Média, mas quem manda é o antigo prefeito da Sagrada Congregação da Fé (ex-Santo Ofício).

Assim, ignorando os juízos de valor e os ataques do senhor bispo Carlos Azevedo, a AAP reitera o seguinte:

– O Estado laico é a condição essencial de uma democracia e, na opinião da AAP, fica irremediavelmente comprometido com a participação dos altos dignitários do Estado, em nome de Portugal, numa cerimónia de canonização, estabelecendo uma lamentável confusão entre as funções de Estado e os actos pios do foro individual, prestando-se ao reconhecimento estatal da superstição;
– A AAP entende que o prestígio do Condestável não se dilata com o alegado milagre e que, se deus existisse, podia mais facilmente ter evitado os salpicos de óleo que queimaram o olho esquerdo de D. Guilhermina, enquanto fritava peixe,  do que ter de a curar para o beato virar santo;
– A AAP duvida da capacidade de um guerreiro morto, apesar de ilustre, para actuar como colírio e duvida de D. Guilhermina, que se lembrou de recorrer à intercessão de um herói, sem antecedentes no ramo dos milagres, em vez de procurar um oftalmologista, e
– Finalmente, a AAP repudia que a peregrinação a Roma se faça a expensas do Estado português.

Associação Ateísta Portuguesa – Odivelas, 18 de Abril de 2009