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Sobre Anticlericalismo (2)

Por

ONOFRE VARELA

“Tal como aconteceu no último artigo, obrigo-me a começar este aludindo atitudes de sacerdotes da Igreja Católica. No Minho, houve um que promoveu o “beija cruz” tradicional da Páscoa, num lar de idosos, indiferente ao perigo de contágio do Coronavírus! Para salvar esta atitude negativa, houve duas positivas: um sacerdote da Trofa doou 80 000 € (que tinha reservado para obras em duas igrejas) ao Hospital de S. João para ajudar nas despesas de tratamento dos afectados com o vírus; e o padre da Igreja do Marquês, no Porto, distribuiu kits com refeições a quem perdeu o emprego em consequência da pandemia que nos assola. Os meus parabéns aos dois últimos. 

Voltando às razões do anticlericalismo de Tomás da Fonseca, lembro que o presente tem origem no passado. No caso do tempo de Tomás da Fonseca, vamos ter de recuar 23 anos. Apanhamos o comboio de viajar no tempo e apeamo-nos no dia 8 de Dezembro de 1854, o dia em que o Papa Pio IX proclamou em Roma o dogma da Imaculada Conceição, a cuja cerimónia assistiu o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Guilherme Henrique de Carvalho. 

O Papa satisfazia os pedidos da Igreja Portuguesa, no sentido de Portugal obter alguma importância na definição dogmática, e decidiu-se construir um templo em Braga, no Sameiro, dedicado a “Maria que engravidou sem mácula”. Por todo o reino a coroa ofereceu património à Igreja, o que se reflectiu no sentimento religioso das populações que rejubilaram com os novos templos e recintos religiosos, tal como hoje se rejubila com a vitória de Portugal num campeonato de futebol.

Ao mesmo tempo reforçava-se a concórdia existente entre o Reino e a Igreja, de tal modo que, em muitos sectores da sociedade, clamava-se por mais intervenção do poder eclesiástico na vida social. Naquela época ainda não se tinham curado totalmente as feridas abertas nas lutas entre liberais e miguelistas, que haviam conduzido a uma guerra civil terminada 20 anos antes, em 1834. A Igreja, sempre atenta às reacções do Povo, teve consciência da sua força espiritual, e reafirmou-se perante o mesmo Povo que clamava por glórias celestes. 

A Igreja era detentora de uma soberania transcendente, situando-se acima de tudo quanto é puramente humano, colocando a realeza terrena num patamar insignificante perante o reino celeste, do qual o Papa e os bispos se intitulavam altos dignitários na Terra. Deste entendimento e da força do Clero, resultou a multiplicação dos institutos religiosos dispersos por cidades e vilas, sob a forma de escolas, hospitais, asilos e creches, onde (cito da História de Portugal, de Joaquim Veríssimo Serrão) era obrigatório “observar e propagar a Religião Católica Apostólica Romana, que é a Religião do Estado, procurando praticar as virtudes que ela ensina”.

Neste panorama, com a religião a invadir a esfera da política do Reino, não tardou que a paz entre o Estado e a Igreja sofresse alterações, alimentando focos de tensão com aqueles que não comungavam dessa aproximação da Igreja ao poder político.”

(Continua) 

Texto de Onofre Varela (O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)