5 de Setembro, 2015 Carlos Esperança
Médicos, padres e especialidades
«Conceder a todos os padres, para o ano do jubileu, a capacidade de absolverem do pecado todos aqueles que o provocaram e que, de coração arrependido, peçam perdão».
[Papa Francisco em mensagem dirigida ao organizador deste “Ano Santo” (ou Jubileu)]
Antigamente o curso médico conferia licenciatura em Medicina e Cirurgia e era o alvará para a prática de ambas, sem restrições. Hoje, creio que a designação permanece mas exige mais cinco anos de internato complementar para um cada vez maior número de especialidades médicas e cirúrgicas.
Também os seminários maiores habilitavam para o sacerdócio e o sacramento da Ordem conferia-lhes alvará para cinco sacramentos e exorcismos. Apenas a ‘Confirmação’, ou seja, o Crisma, e a Ordem eram reserva exclusiva de bispos tal como a criação de cardeais, beatos e santos passou a ser reserva papal.
Antigamente cabia aos padres a absolvição dos pecados, por maiores que fossem, ainda que a bitola eclesiástica considerasse pecado um direito, como é o caso da apostasia, ou um ato do mero domínio da moral como o aborto (salvo circunstâncias que o Código Penal prevê), a blasfémia ou o adultério.
A escassez de demónios a exorcizar, com o aumento da escolaridade e melhoria da saúde e alimentação, levou os bispos a reservar o alvará de exorcista para um só padre da diocese. Foi assim que o padre Sousa Lara se tornou especialista.
Os padres estão reduzidos à clínica geral da alma onde, para lá da celebração de missas, casamentos e batizados, apenas pecados de pequena e média dimensão ficam ao alcance do seu perdão. E nem uma peleja com o demónio, armados de cruz, hissope e latim, lhes é consentida sem delegação episcopal.
Valeu o Ano Santo, e eu a pensar que todos os dias e anos eram santos para a Igreja do Papa, para ser atribuída aos padres a faculdade de perdoar os pecados que ora considera maiores. Quem diria que o reverendo encartado para proceder ao fenómeno alquímico da transubstanciação precisa de licença especial para absolver do aborto a mulher com o feto malformado, a grávida de uma violação ou a mãe que teria morrido sem a IVG!?
Mistérios insondáveis a que nem o papa Francisco é capaz de fugir, depois de ter sido na Argentina o grande adversário da única IVG legal, no caso de violação!