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  • 1 de Novembro, 2010
  • Por Carlos Esperança
  • AAP

Carta da Associação Ateísta ao MNE – Embaixador do Vaticano

Exmo. Senhor

Ministro dos Negócios Estrangeiros

Dr. Luís Amado

Palácio das Necessidades, Largo do Rilvas

1399-030 Lisboa

Senhor Ministro Dr. Luís Amado:

A Associação Ateísta Portuguesa (AAP) ficou perplexa e indignada com o teor do recente discurso de apresentação das Cartas Credenciais do novo Embaixador de Portugal junto do Vaticano que, no nosso entendimento, aproveitou a ocasião para exprimir a sua subserviência e devoção pessoal à Igreja em desrespeito do seu dever de representar este país laico e soberano.

Assim, a AAP vem junto de V. Ex.ª solicitar que se digne informá-la se o discurso do Sr. Embaixador representa o pensamento do Governo ou se, pelo contrário, foi um discurso que merece a reprovação do Governo de Portugal, por se apresentar o Sr. Embaixador como «o intérprete da arreigada devoção filial do Povo Português à Igreja e a [Sua] Santidade», ignorando o pluralismo ideológico, os princípios de liberdade religiosa, e uma boa parte da população do País que o Sr. Embaixador foi incumbido de representar.

Para o Sr. Embaixador pode ter sido a maior honra pessoal e profissional da sua vida dirigir-se ao «Beatíssimo Padre», mas o embaixador Fernandes Pereira não foi nomeado para representar um grupo de peregrinos. Portugal é um Estado laico, não um protectorado do Vaticano, e muitos portugueses reprovam o mal que as políticas de cariz teológico desta Igreja têm feito à humanidade, nos países onde a SIDA dizima populações, nas posições em relação à contracepção e planeamento familiar, à saúde reprodutiva da mulher, à sexualidade e à igualdade de direitos entre os sexos.

A alegada emoção do Sr. Embaixador com a canonização de D. Nuno Álvares Pereira também não é partilhada por muitos portugueses que, uns pela sua descrença e outros pela sua crença, consideram que declarar milagrosa a cura do olho esquerdo da D. Guilhermina de Jesus, queimado com uns salpicos de óleo de fritar peixe, é uma decisão pouco digna e menos justificável ainda. A AAP reconhece ao Sr. Embaixador o direito de ter a sua opinião acerca desta matéria, mas exige de um Embaixador de Portugal que represente o seu País e não apenas a sua opinião pessoal.

O discurso do Sr. Embaixador ofende muitos portugueses pela linguagem beata e a falta de pudor com que, em ano do Centenário da República, humilhou todos os que dispensam a bênção papal. Ateus, agnósticos, cépticos, crentes de outras religiões, e talvez até alguns católicos, repudiam o pedido que, em nome destes todos, o Embaixador dirige ao Papa para «que paternalmente se digne abençoar Portugal, os Portugueses e os seus Governantes». A prédica foi uma oração rezada de joelhos em nome de Portugal, um acto de vassalagem  individual que fere a consciência de muitos portugueses que o Sr. Embaixador tem a obrigação de representar.

Obrigando a Constituição da República Portuguesa à separação do Estado e das Igrejas, é difícil acreditar que tão insólito discurso tenha sido proferido em nome do Estado Português mas, a esse respeito, gostaria esta associação (AAP) de conhecer o pensamento do Sr. Ministro da tutela.

Aguardando a resposta de V. Ex.ª,

Apresentamos-lhe os nossos melhores cumprimentos.

Associação Ateísta Portuguesa – Odivelas, 31 de Outubro de 2010