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As sotainas saíram à rua

O próximo referendo sobre a IVG destina-se somente a saber quem é a favor da prisão das mulheres que interrompem a gravidez, até às dez semanas de gestação, e quem é contra. Os primeiros votam Não, os últimos votarão Sim.

Mas o que devia ser um caso de consciência individual, alheio às convicções políticas e, sobretudo, partidárias, transformou-se numa batalha campal entre a fé e a liberdade de escolha.

As sotainas invadiram as ruas, depois da missa. Saem a ranger os dentes e a vociferar imprecações, a ameaçar com a privação da hóstia e do latim, a prometer o inferno para a alma e a excomunhão para o corpo, a negar a água benta e os óleos com que besuntam os moribundos.

Os bispos ululam inanidades, o Papa dos sapatinhos vermelhos fala de terrorismo, com a experiência de vinte séculos, e os padres desgastam-se em terços e afastam tentações da carne na pastoral da castidade. Organizam procissões e viagens a santuários, exibem virgens de louça em adiantado estado de gravidez, e inventam lágrimas vermelhas nas estátuas de gesso com que macaqueiam a mãe de Jesus.

A ICAR e o Islão unem-se sempre que lhes cheire a uma boa perseguição. As Cruzadas e as Intifadas, enquanto não se digladiam, juntam-se na sanha contra as mulheres, no desvario misógino da sua matriz genética comum.

O resultado do próximo referendo deixou de ser o confronto entre posições respeitáveis e tornou-se a aposta do clube da hóstia na escalada clerical com que pretende inverter a correlação de forças e partir para a cruzada conta a laicidade e o secularismo.