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Dia: 17 de Janeiro, 2007

17 de Janeiro, 2007 Carlos Esperança

A pastoral rodoviária

O Conselho Pontifício para a Pastoral dos Emigrantes tem em vista a criação de espaços de oração e encontros pios nas áreas de serviço e lugares de descanso das auto-estradas.

É a nova pastoral do camionista, uma forma de proselitismo rodoviário.

Chega um condutor com a bexiga cheia e sai-lhe uma freira com uma pagela do Sagrado Coração de Jesus. Vem aflito, após quatrocentos quilómetros de estrada, a arrotar a uma sanduíche retardada, ansioso por uma sanita, e eis que um padre o pára para rezar uma ave-maria e, quando espera aliviar a tripa, pergunta-lhe se quer a confissão.

Vem esfomeado outro, a pensar em presunto e queijo, e aguarda-o uma missa no interior de um camião e, à saída, um versículo da Bíblia debitado por um diácono.

Antes do restaurante passa pela sacristia. Antes de alcançar a latrina leva com conselhos pios e, quando um camionista se prepara para comprar uma revista com fotos de corpos apelativos, dá com uma pagela de Santo Escrivá numa das mãos e a da Virgem Maria na outra, sem mão disponível para urinar.

O garoto que obriga o pai a parar, para comprar o gelado que há duzentos quilómetros reclamava, leva primeiro com um pai-nosso que a catequista de serviço reza com ele.

Em vez de prostitutas que aguardam camionistas, há semanas fora de casa, as estações de serviço vão parecer conventos de portas abertas e freiras à solta para reconduzirem ao redil da Igreja jovens com cio.

Quando, finalmente, permitem o alívio de uma sanita ao fatigado camionista, este já não precisa de se preocupar com o papel higiénico, leva consigo vários santinhos e, a cores, um desdobrável com imagens do Papa.

Benditos padres que recorrem aos «camiões para rezar» em vez de deixarem descansar os condutores. Certamente, conseguem substituir o habitual desabafo de um camionista, perante a manobra desastrada de outro condutor, por um piedoso e contido alívio:

«Vai para o padre Escrivá, filho de Deus».

17 de Janeiro, 2007 lrodrigues

Opinião da Igreja Católica? Não, Obrigado!

Depois do Bispo de Roma, o Papa Rotweiller XVI, ter comparado a prática do aborto ao terrorismo, chegou a vez de um colega seu português, de nome António Montes Moreira, ter comparado o aborto à pena de morte, invocando galhardamente os valores da doutrina cristã e da civilização humana.

A inqualificável falta de dignidade e a chocante desonestidade intelectual da Igreja Católica no que concerne ao aborto, tocam mesmo as raias de um incomensurável absurdo.
É esta mesma Igreja, que agora se vem arrogar ter uma palavra a dizer na sociedade portuguesa no próximo referendo sobre a despenalização do aborto, que sempre foi contra qualquer forma de planeamento familiar que não passe pela contagem dos dias ou pela filiação na Opus Dei.
É esta mesma Igreja que, enquanto clama pelos valores da vida humana, organiza queimas rituais de preservativos e assim se torna cúmplice das terríficas taxas de disseminação da SIDA, principalmente em África.
É esta mesma Igreja que não hesita em achincalhar os sentimentos religiosos dos seus próprios fiéis com a publicação de panfletos com a mãe das suas divindades a chorar, a mesma semi-deusa que há décadas utiliza como instrumento e fonte de receita financeira numa das maiores fraudes religiosas de que há memória.
É esta mesma Igreja que carrega consigo um passado de ignomínia, uma História de sofrimento, de sangue e morticínio, que é sinónimo de atraso social, cultural e civilizacional, que se distingue pela sua visão suja e pecaminosa, típica dos mais abjectos tarados sexuais, sobre tudo o que diga respeito a sexo, que sempre sobrevalorizou a sua doutrina e o seu catecismo à própria vida humana, enquanto persiste em desprezar a mulher, quer na sua própria condição quer até como ser humano.
É esta mesma Igreja para quem o sexo é simplesmente sinónimo de «pecado», para quem amar é «pecar», que não concebe que o seu próprio Deus em visita aos homens pudesse ter sido concebido num acto de amor, que não permitiu sequer à mãe desse seu Deus o privilégio de amar, uma vez mais trata a mulher como um mero objecto, um ser humano de segunda ou terceira categoria a quem não permite sequer o livre arbítrio, a escolha ou a determinação do seu próprio corpo, e a quem antes impõem uma opção pré-determinada pela sua doutrina e pelos seus valores medievais, ainda que isso signifique o drama e o risco de vida do recurso ao aborto clandestino.
É esta mesma Igreja, que proclama os valores de um Deus tirano, impiedoso e sanguinário e a quem, borrada de medo, louvaminha em rituais de amesquinhamento absolutamente desprezíveis e indignos de seres humanos com um mínimo de respeito por si próprios, que se acha agora no direito de interferir na sociedade portuguesa, num assunto em que estão em causa estritos valores éticos.
Porque, de facto, é preciso uma lata gigantesca e um desplante sem fim para que um responsável eclesiástico católico venha invocar os valores da doutrina cristã e da vida humana para comparar o aborto ao terrorismo ou à pena de morte, quando essa mesma doutrina cristã admite precisamente… a pena de morte!
Que estes energúmenos de sotaina, com ou sem sapatinhos vermelhos, usem a arma da desonestidade intelectual para explicarem o seu relativismo moral, isso ainda admito.
Afinal, é disso que eles vivem.
O que não consigo entender é a cumplicidade tácita que tanta gente (quero crer, apesar de tudo, que de boa fé) tão cega a acriticamente ainda lhes entrega.

(Publicado simultaneamente no «Random Precision»)

17 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Debate sobre a despenalização da IVG

Amanhã, dia 18 de Janeiro, pelas 18:30, no Grande Auditório da Escola Superior de Saúde Egas Moniz.

Pelo sim irão estar presentes:

Miguel Duarte – Plataforma euvotosim.org
Palmira Silva – Plataforma euvotosim.org

Pelo não irão estar presentes:

Nelson Brito – Plataforma «Não Obrigada»
Catarina Almeida – Plataforma «Não Obrigada»

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17 de Janeiro, 2007 Palmira Silva

Pela liberdade de consciência da mulher

Os principais opositores à despenalização da interrupção voluntária da gravidez, proeminente entre eles a Igreja Católica, concordam todos que o aborto é uma questão de consciência.

Porque razão, a um ano do sexagésimo aniversário da proclamação pela Assembleia Geral da ONU da sua Resolução 217A (III) de 10 de Dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que diz claramente no seu artigo 18º «Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião», a Igreja de Roma não reconhece esse direito à mulher?

Porque razão a Igreja, supostamente do concílio Vaticano II, permanece com o espírito de 1864 expresso na encíclica Quanta cura e no seu famoso apêndice, o Sílabo de Erros, que condena como «loucura e erro» as liberdades de pensamento, de consciência e de religião?

Porque razão aqueles que comparam uma decisão de consciência à pena de morte, usando a recente execução de Saddam para a sua campanha terrorista, se arrogam donos e senhores das consciências femininas?

Porque razão aqueles que ululam ser uma pessoa um embrião ou feto, sem consciência de si nem do meio ambiente, abortado por opção da mulher – e apenas esse – não consideram serem pessoas as mulheres?

Ao que escreve Madalena Barbosa num artigo imperdível no Público de 4 de Janeiro acrescento que é tempo de Portugal entrar no século XXI quebrando as «condicionantes históricas» que formam «uma representação do feminino que lhe tira dignidade e o respeito do outro alimentando a «crença na irresponsabilidade das mulheres».

Se todos aceitam a IVG por decisão de uma comissão ética ou médica porque razão rejeitam tão veementemente a mesmissima decisão se tomada exclusivamente no feminino?

Como lembra Madalena Barbosa, Adão e Silva disse que, quando o Homem não decide, deixa de ser um cidadão e passa a ser um servo. No referendo de 11 de Fevereiro vamos todos e todas decidir, como cidadãos e não servos de qualquer religião, que sociedade queremos para Portugal: uma em que as mulheres são cidadãos plenos ou uma de servidão humana para a mulher!

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