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Aborto: uma questão de Direito – II

Quer a reflexão ética contemporânea, que recusa uma base exterior, isto é, transcendental ou sobrenatural, para a moralidade, quer a reflexão científica, que demonstrou a base biológica da moral, não permearam a nossa sociedade do século XXI. Pelo contrário, há cada vez mais exemplos perfeitamente anacrónicos da imiscuição dos obsoletos códigos morais religiosos no direito que rege uma série de países.

E não falo apenas daqueles onde a Sharia é uma realidade – e onde não é reconhecida a dignidade da mulher -, falo igualmente de Portugal, onde muitos pró-prisão – que ululam não o serem já que bramem não querer ver na prisão as «assassinas», apenas as consideram umas pobres coitadas sem capacidades intelectuais e morais que abortariam pelas mais «fúteis» razões se o aborto fosse despenalizado – se arrogam a julgamentos de valor assentes em morais religiosas igualmente obsoletas sobre as motivações de uma mulher que aborta!

Um Portugal que também não reconhece dignidade intrínseca à mulher já que regista a maior taxa da Europa de violência contra as mulheres, onde se estima que uma em cada três mulheres seja vítima de violência por parte do companheiro! Ou seja, onde um em cada três homens considera legítimo punir fisicamente a mulher cujo comportamento não se coadune com o modelo mariano que ainda impera! Onde a pena por assassinato é reduzida em 4 anos por ser considerada circunstância atenuante a recusa da vítima em «manter relações sexuais» com um marido abusivo!

Se de facto não existirem razões para considerarmos que o embrião é uma pessoa – e nos próximos posts espero mostrar que não há razões éticas ou científicas para tal, apenas dogmas religiosos – a criminalização do aborto é apenas mais uma forma de violência contra a mulher. Que é obrigada por uma sociedade que não lhe reconhece dignidade intrínseca – mas concede essa dignidade a um embrião sem consciência de si nem do meio ambiente – a abortar em condições desumanas e humilhantes, com reais perigos para a sua saúde física e psicológica. Que a relega para um sub-mundo de abortos de vão de escada onde é evidente a exclusão da mulher de uma sociedade que lhe impõe deveres mas não lhe reconhece direitos, uma sociedade com leis feitas por homens contemplando apenas os direitos dos homens!

Uma sociedade mais justa e livre é necessariamente uma sociedade em que não existam quaisquer formas de violência de género! Não quero viver numa sociedade que produz jovens como aquele que motivou a Campanha do Laço Branco, apenas mais uma contra a violência sobre a mulher, e aquela que, como docente na maior escola de engenharia do país em que uma fatia crescente do corpo discente são mulheres, me toca mais fundo.

A campanha foi instituída em 1991 em resposta ao crime ocorrido em Montreal, Canadá, no dia 6 de Dezembro de 1989. Nessa data, um jovem de 25 anos invadiu uma sala de aula de uma faculdade de Engenharia e ordenou aos homens presentes para se retirarem da sala, permanecendo somente as mulheres.

Após gritar «Vocês são todas feministas!», o jovem assassinou 14 mulheres por não suportar a mera possibilidade de as mulheres fazerem engenharia, um curso que ele considerava reservado a homens. Presumo que por não suportar a ideia de viver numa sociedade sem discriminação de género, em que as mulheres podem ser engenheiras e outras profissões «masculinas», suicidou-se em seguida.

Por tudo isto e porque não há qualquer razão de ordem ética ou científica para considerar que um embrião/feto até às dez semanas é uma pessoa, voto SIM no referendo de dia 11 de Fevereiro! Porque o SIM ao referendo é igualmente uma forma de progredirmos na construção da sociedade que gostaria fosse a minha!

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(continua)