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O paradoxo do mal – II

A refutação mais simples da ideia que o mal é causado pelo livre arbítrio é lembrar os males que não o são.

Terramotos, tsunamis, cheias, além de grande parte das doenças que vão matando as pessoas.

A este argumento, muitos crentes respondem com a ideia de castigo. Muitas vezes a discussão não evolui a partir desse ponto – é frequente que a pessoa que os oiça dar tal resposta fique demasiado indignada para manter um tom frio e sério. Afinal, pode parecer monstruoso acreditar que as pessoas que morrem de cancro «mereciam-no», tal como outras doenças que envolvem muito mais sofrimento e dor. Pode parecer um tanto monstruoso considerar que quando milhares de pessoas numa determinada região do mundo morrem em cheias, tsunamis ou tremores de terra, estas o mereciam.
E quanto mais se pensa no sofrimento concreto que esses males infligem, mais mesquinhas, insensíveis e abjctas podem parecer tais considerações. Mais indignação tendem a provocar.

Mas indignação não é argumento.

É por isso que pretendo, ao invés de me indignar, responder com um contra-exemplo. Tomemos um feto, no útero de uma mãe, que tem uma doença. Ele nasce e, devido à sua doença, passa dois dias em sofrimento no hospital até que morre. Não é um exemplo impossível: já aconteceu, continuará a acontecer.
Em que medida é que este mal foi resultado da escolha de quem o sofreu?

Que livre arbítrio teve esta criança com dois dias de vida? Que liberdade é que Deus lhe terá dado? Deus, que alegadamente respeita a liberdade, respeitou a escolha desta criança, que era não sofrer, que era viver? Ou todas estas crianças escolhem morrer em sofrimento?
Deus teria criado um mundo em que o livre-arbítrio desta criança não foi respeitado, em que ela não teve liberdade, nem escolha, em relação ao que lhe aconteceu. E o mal não deixou de lhe acontecer.

Podemos entrever aqui o meu argumento, portanto. Notemos que, neste caso, a ausência de liberdade da criança foi, em si, um mal. Nós gostamos de ser livres e sofremos quando não o somos, então a ausência de liberdade é um mal.

Se um Deus for benevolente, ele apenas optaria por nos dar liberdade na medida em que o mal que dela resultasse fosse inferior ao mal que representa a ausência de liberdade. Assim sendo, com um Deus benevolente, o mundo seria necessariamente o melhor mundo possível. Qualquer mundo diferente (por exemplo um em que Deus interviesse mais, com a limitação à liberdade que cada intervenção implicasse) seria pior.

Notem que, sendo Deus omnipotente e omnisciente, ele poderia criar qualquer mundo concebível. Isto quer dizer que, para Deus ser benevolente, omnipotente e omnisciente, não poderá existir nenhum mundo concebível melhor que este – o que é notoriamente falso: basta conceber um mundo em que, apesar dos pecados do homem, o bebé do exemplo não morreu ao fim de 2 dias.