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A Razão e a Fé IV – A Igreja e a Razão (fim)

Depois da degradação do sistema feudal e do fim do poder militar da Igreja perdeu-se a última componente política que a Igreja ainda possuía com o advento dos valores laicistas. Os governos já não precisam do aval de Roma para exercer o seu poder. A religião não é um dos eixos da sociedade e o clero já não é uma classe. A separação de poderes garante não só que as religiões não interfiram no poder do Estado como salvaguarda as religiões da interferência deste. Ganhou-se liberdade em duas frentes, a religiosa e individual e a de Estado e institucional, ainda que a liberdade que a Igreja pretendesse em tempos fosse outra. Mais uma vez, uma noção de liberdade diferente.

O avanço da Ciência foi removendo Deus dos modelos explicativos do mundo natural, transformando-o num deus das lacunas, que apenas consegue sobreviver em nichos onde o conhecimento humano ainda não chegou, nichos esses que tanto alento trazem aos que vêm nessa ignorância uma esperança de Deus. De facto, uma das últimas, mais frágeis e importantes lacunas das quais Deus foi removido foi a da origem da vida e do ser humano, com o surgimento das ideias de Darwin – tema esse ao qual várias fés pretendem devolver o estatuto de lacuna. A Ciência dá hoje e cada vez mais uma explicação sólida da realidade, aperfeiçoável, sem recorrer a subterfúgios teístas para salvar a nossa divindade e a dos nossos deuses.

Com a propagação de uma cultura de sociedade democrática e laica e uma outra cultura científica e tecnológica, a Igreja ficou relegada para o plano social, sem que lhe seja dada a mesma importância de outrora nesses campos da sociedade. A principal consequência que o abraçar do racionalismo, nas suas várias formas, teve para a Igreja foi o seu afastamento dos seus campos de actividade tradicionais. Como mote de reconciliação, parece-me que tem sido o esforço de Bento XVI reabilitar a Fé com a Razão. Como? Ressuscitando as velhas dúvidas lacunares, recuperando a antiga noção de Razão (vide “Fides et Ratio”) e apelando ao bom senso como cimento destas ideias. Isto traduz-se em advertências à comunidade científica, condenação dos valores laicistas e uma suposta posição previlegiada na luta contra o terrorismo.