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História do preservativo

As doenças sexualmente transmissíveis (DST) e o aparecimento da SIDA influenciaram de maneira decisiva a forma como a sexualidade humana começou a ser discutida publicamente no final do século XX. Até então, essa era uma questão tratada com reservas e pudor pela saúde pública. O vírus HIV forçou uma mudança sem precedentes. Assim, falar sobre sexo (independentemente da escolha de cada um) e sobre os preservativos tornou-se uma obrigação dos profissionais da saúde, dos educadores e dos pais. Com excepção, claro, dos prosélitos de Deus, para os quais o assunto continua tabu e como tal se opoem a todos os programas de educação sexual, contrapondo como alternativa as respectivas homilias de desinformação e mentiras grosseiras, nomeadamente as mentiras que especialmente a Igreja Católica dissemina sobre a ineficácia do execrado preservativo. Nalgumas zonas de África essas mentiras atingem carácter criminoso já que os devotos «ensinam» que é o preservativo, contaminado com o HIV, o responsável pelo flagelo da SIDA!

No entanto, o preservativo está presente na vida do homem há milénios tendo os primeiros registos de artefactos muito semelhantes aos preservativos actuais cerca de 5000 anos, cuja representação pode ser encontrada em alguns túmulos de Karnak. Esses registos indicam igualmente que os egipcios recorriam a métodos contraceptivos desde 1850 a.E.C.

Foram os chineses que criaram algo que pode ser descrito como o primeiro preservativo: envoltórios de papel de seda untados com óleo.

De igual forma tudo indica que os gregos não eram ignorantes em matéria de contraceptivos, existindo indicações de que cerca de 1.600 a.E.C., durante o reinado de Minos de Knossos, em Creta, se utilizavam para esse fim bexigas natatórias de peixes. Aliás, foi a mitologia grega que apresentou o preservativo ao Ocidente. O rei Minos, supostamente filho de Zeus e Europa, era casado com Pasiphë. O monarca não era exactamente conhecido por ser um adepto da fidelidade conjugal de forma que por obra de Pasiphë Minos passou a ejacular serpentes, escorpiões e lacraus, que matavam todas as mulheres com que se relacionasse mais intimimamente – com excepção de Pasiphë, imune ao seu próprio feitiço. Minos entretanto apaixonou-se por Procris e para evitar que a consumação dessa paixão fosse fatal para Pocris apresentou ao mundo o primeiro preservativo feminino: uma bexiga de cabra.

De igual forma, foram os gregos, tão elogiados por Bento XVI na sua recente palestra em que pretendeu ser racionalismo inseparável da helenização, os primeiros a descobrir o primeiro contraceptivo oral há cerca de 2100 anos: uma planta selvagem, silphion, que descobriram quando colonizaram Celene no que hoje é a Líbia. Apesar de todas as tentativas envidadas pela civilização helénica em cultivar a planta, os seus esforços foram infrutíferos e a valiosa e mui procurada planta extinguiu-se após 700 anos de colheitas intensivas pelos racionais gregos!

Durante a Idade Média, o apogeu da cristandade, não havia qualquer proibição eclesiástica em relação ao uso de qualquer método contraceptivo, inclusive o actualmente tão execrado preservativo. Assim, a Europa medieval estava inundada de uma série de tratados médicos e leigos recomendando métodos para evitar filhos; o principal era o uso de envoltórios de linho, isto é preservativos, embebidos ou não em ervas medicinais para aumentar a eficácia. Abundavam ainda uma série de mezinhas assentes na superstição vigente na época: poções contraceptivas feitas de urina de cordeiro, pó de testículos de touro torrados e muitas receitas hoje apenas eméticas.

Mas a partir do século XV, com a disseminação de numerosas doenças venéreas (como referência às sacerdotisas dos templos de Vénus) como a sífilis, o homem medieval começou a tentar reduzir os perigos de contaminação pelas DSTs. Nomeadamente recorrendo à «bainha de tecido leve, sob medida, para protecção das doenças venéreas» inventada pelo anatomista e cirurgião italiano Gabrielle Fallopio. Fallopio, nascido em 1523 em Modena de uma família nobre mas sem dinheiro, viu-se na contingência de ingressar no clero para poder prosseguir os seus estudos, de forma que não deixa de ser irónico que o inventor do preservativo moderno seja um padre católico!

As observações de Fallopio sobre o uso perfeito para a sua invenção foram, no mínimo, curiosas: recorreeu a diversos sapos machos a que vestiu ceroulas de linho impermeável e pesquisou o acasalamento dos batráquios. Constatou que as ceroulas não impediam o coito, mas evitavam a fecundação já que retinham o sémen. Posteriormente, e depois de ter efectuado aquele que podemos considerar o primeiro teste clínico de preservativos, em que 1100 homens usaram o seu dispositivo e se verificou que nenhum contraiu sífilis, escreveu um tratado sobre a sífilis em que o tratamento recomendado era o uso do De Morbo Gallico, o preservativo por si inventado a que Shakespeare chamou «luva de Vénus».

Quando entre 1713 e 1715 a cidade de Utrecht foi sede da conferência internacional que conduziu à assinatura do tratado que pôs termo à guerra da sucessão espanhola, foi igualmente sede da difusão do preservativo. Na realidade, reuniram-se nesta cidade as personalidades europeias da época o que atraiu à cidade uma fauna menos nobre e diplomata que proporcionou, para além de formas de distracção das intensas conversações de paz, a disseminação na nata europeia das temíveis e incuráveis à época doenças venéreas, especialemente a sífilis, o equivalente da SIDA até à descoberta da penincilina.

Um artesão criativo resolveu airosamente o problema com preservativos habilmente costurados a partir do ceco (parte do intestino) de carneiros, parte anatómica dos ditos que fornecia películas finas e transparentes utilizadas na cicatrização de ferimentos e queimaduras.


A industrialização do preservativo estava garantida depois deste sucesso. Assim, uns anos depois, em 1780, podia ler-se nos anúncios publicitários de uma das mais famosas casas de prostituição de Paris: «Nesta casa fabricam-se preservativos de alta segurança. Distribuição discreta para França e outros países…». Esta publicidade, que introduziu o termo preservativo, foi posteriormente modificada e preservativo substituido por redingote anglaise, ou seja, «sobretudo – ou sobrecasaca – inglês».

O termo com que os preservativos são designados nos países anglo-saxónicos, condom, tem a sua etimologia associada a Xavier Swediaur, um profissional bastante prestigiado, especialista em doenças venéreas, que defendeu no século XIX ter sido o preservativo inventado por um médico inglês do século XVII, um tal Dr. Condom que se sabe hoje nunca ter existido.

A partir de 1839, data em que Charles Goodyear descobriu que tratar a borracha natural com enxofre, o processo de vulcanização, lhe alterava drasticamente as propriedades mecânicas, surgiram os primeiros preservativos de borracha, espessos, laváveis e reutilizáveis. O resto é história conhecida…

Esta breve e pouco exaustiva história do preservativo mostra que, tal como em relação ao aborto, a posição da Igreja em relação à contracepção tem-se alterado ao longo dos tempos. Na realidade, apenas a partir da altura em que deixou de dispôr de meios mais… enérgicos… – como a Inquisição – para determinar a vida dos cidadãos e se viu relegada do papel político que durante séculos manteve a Europa sob o jugo dos ditames de Roma – o que foi coincidente no tempo com a interrupção da gravidez mais segura para a mulher e com o desenvolvimento de métodos contraceptivos mais eficientes e acessíveis – a Igreja Católica passou a preocupar-se paranoicamente e quasi em exclusividade com a sexualidade humana, mais concretamente com o facto de a humanidade poder usufruir os prazeres do sexo sem a respectiva «punição».

Ou seja, a posição inflexível, anacrónica e criminosa da ICAR em relação ao preservativo e à IVG não tem rigorosamente nada a ver com a apregoada defesa inflexível da vida. Tem simplesmente a ver com manutenção de poder e com a misoginia e execração do sexo sem «castigo» indissociáveis da doutrina católica.

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