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Dia: 22 de Setembro, 2006

22 de Setembro, 2006 Carlos Esperança

Ali Agca avisa o Papa

Ali Agca, um turco enigmático, autor de um papacídio frustrado na pessoa de JP2 e prisioneiro profissional, não será o profeta indicado para predizer o futuro do Papa Rätzinger e fazer concorrência à Irmã Lúcia.

Aliás, o que tiver de acontecer será da vontade do Deus de B16 que é omnipotente, omnisciente e infinitamente bom como provam as tropelias que acontecem e as desgraças de que está o mundo cheio.

No caso de JP2 até a Lúcia sabia que ia ser baleado, pois era muito chegada à Senhora de Fátima que lhe contava essas coisas por não haver na altura as revistas modernas que se pelam por signos, vidências e cenas de faca e alguidar.

Ficará em segredo o motivo que juntou, a sós, numa cela de uma cadeia italiana, duas personagens sombrias – Ali Agca e JP2 , e por conhecer a eficácia e o motivo da bênção que o último deu ao malvado profissional.

Só não se compreende a maldade de JP2 que, conhecendo o 3.º segredo de Fátima, o que anunciava os furos na sua batina preferida e os rombos no próprio canastro, deixou ficar preso, um ror de anos, quem Deus escolhera para instrumento da sua vontade.

B16 acusa o mundo de estar surdo a Deus, como se o silêncio fizesse vibrar a membrana do tímpano. É altura de perguntar ao único Deus verdadeiro – o seu -, o que tramam os doentes mentais do falso Deus concorrente.

Para salvar o camauro, se o determinismo não for necessário à existência de Deus.

22 de Setembro, 2006 Palmira Silva

Bento XVI e a racionalidade

«O Iluminismo é a saída do ser humano do estado de não-emancipação em que ele próprio se colocou. Não-emancipação é a incapacidade de fazer uso de sua razão sem recorrer a outros. Tem-se culpa própria na não-emancipação quando ela não advém de falta da razão, mas da falta de decisão e coragem de usar a razão sem as instruções de outrem. Sapere aude! (ouse saber!)» Immanuel Kant.

A aula magna de Bento XVI na Universidade de Regensburg, para além de uma defesa do catolicismo tradicional, isto é, pré Vaticano II, em relação às outras religiões do livro, é essencialmente, como já apontei, um ataque à ciência «que tornou Deus supérfluo», causa última dos males profundos que dominam a Europa na opinião de Ratzinger, a «ditadura do relativismo» e concumitantes secularismo, laicidade, respeito pelos direitos humanos, tolerância e plurarismo.

O discurso do Papa, tal como tudo o que tem debitado desde que o «espírito santo» o escolheu, assenta na loucura e erro de uma Europa «surda a Deus», que não fundamenta na fé o conhecimento e a própria Europa.

Assim, a palestra desenrola-se em torno deste tema desde a congratulação inicial ao Magnífico Reitor pela existência na sua Universidade, com duas faculdades de teologia, daquilo a que chama universitas scientiarum, ou seja, a genuína universitas que destaca proeminentemente a teologia nos «saberes» a transmitir aos alunos, que aceita como dado adquirido que Deus, na versão cristianismo tradicional, é imprescindível na Universidade. Embora Ratzinger note que nem todos os docentes, nomeadamente os cépticos «radicais» que afirmam a inexistência de Deus, partilham a opinião dos teólogos de que a fé e a razão estão intimimamente correlacionadas e sem fé não pode ocorrer o exercício da razão. Isto é, sem fé cristã tradicional, porque no decorrer do discurso Ratzinger explana porque razão apenas esta fé é racional!

Depois destas reminiscências de Regensburg, uma «genuína» Universidade em que o debate racional integra a teologia (católica) como componente indispensável, em que a teologia é aceite como equivalente da filosofia no privilegiar da razão universal, surgem então os 3 parágrafos que tanta tinta fizeram correr nos últimos dias, em que Ratzinger, esquecendo dois milénios de história sangrenta do catolicismo, usa o dito diálogo de Manuel II Paleólogo como ponto de partida para analisar a necessária centralidade da razão na fé e a relação entre a fé e a razão nas «três ‘Leis’ ou ‘Regras da Vida’: o Antigo Testamento, o Novo Testamento e o Corão. Embora não explicitamente, Ratzinger sugere que o Islão, a religião judaica e o protestantismo, não «helenizados», enfermam de uma irracionalidade constitucional enquanto o catolicismo é a única religião racional.

Este papa, grande admirador de Agostinho de Hipona mais que de Tomás de Aquino como o seu predecessor, ambos citados no texto, correlaciona a racionalidade da fé com a «helenização» desta mesma fé, que permitiu «uma nova compreensão de Deus acompanhada de uma espécie de iluminismo», helenização que segundo Ratzinger não aconteceu por acaso já que Deus «desviou» Paulo de Tarso da Ásia e encaminhou-o para a Grécia ( Actos dos Apóstolos 16:6-10) no que Ratzinger chama «uma destilação da necessidade intrínseca de reconciliação da fé bíblica com a racionalidade grega». Assim, desde o início do cristianismo e por desígnio divino, que a razão e a fé cristã são indissociáveis pelo que a de-helenização corresponde a não usar a razão, e como tal é contrária à natureza de Deus.

Uso da razão que parece exclusivo dos europeus, pelo menos no excerto em que Ratzinger afirma que «Dada esta convergência [entre cristianismo e helenismo, equivalente para Ratzinger ao uso da razão], não é de estranhar que o cristianismo, apesar das suas origens no Leste, assumiu o seu carácter histórico e decisivo na Europa».

Ratzinger contrasta esta compreensão cristã helenista de Deus, coincidente com uma harmonia entre razão e fé através da revelação de um Deus racional, com a «irracionalidade do islamismo» exemplificada com o (irrelevante) teólogo muçulmano Ibn Hazm que defendia a absoluta transcendência de Deus e
rejeitava a necessidade de qualquer racionalização das leis islâmicas já que eram o código que Deus tinha legislado e a sua implementação, sem qualquer imiscuição da razão, indispensável na prática religiosa.

Compreensão helenista que Ratzinger afirma fazer parte essencial da fé cristã e
«permanece a fundação do que podemos chamar apropriadamente Europa». Criticando a de-helenização do cristianismo e da Europa- as causas dos tais «males profundos» que a assolam e a deixam impotente face à ameaça islâmica – que segundo ele ocorreu em três fases, interligadas mas claramente distintas nas motivações e objectivos.

Assim, Ratzinger critica a separação da fé e da razão que ocorreu com a Reforma, a primeira de-helenização que rejeita a razão (isto é, a interpretação bíblica de Roma) e assenta a fé no princípio da sola scriptura, postulado base da reforma protestante. Ou seja, afirma claramente que o protestantismo é irracional!

A segunda fase de de-helenização corresponde ao pensamento teológico liberal dos séculos XIX e XX, de onde surgiram as heresias modernista e progressista, censuradas na encíclica de Pio X, Pascendi Dominici Gregis, que têm para Ratzinger o seu representante máximo em Adolf von Harnack. Heresia que na prática reduz a fé católica a meras directivas éticas e morais, sem necessidade de culto nem de teologia.

Ou seja, mais uma vez critica os católicos que não seguem à letra os ditames do Vaticano, «enganados» por teólogos como Harnack ou Roger Haight que «numa subordinação [inadmíssivel] dos conteúdos da fé à sua plausibilidade e inteligibilidade» tentam reconciliar a fé com a modernidade. Para Ratzinger, como tem sido abundantemente expresso no seu papado e concretizado sem margens para dúvidas nesta palestra, é a modernidade que tem de se sujeitar à fé!

Harnack, que reconhecia a complicação irracional colocada pelos dogmas em que assenta o cristianismo, a divindade de um Cristo com duas essências integrante de uma trindade com três pessoas e uma essência, advogava que Jesus era apenas o pai de uma mensagem moral humanitária e tinha terminado com a necessidade de cultos.

Pior, Harnack afirmava ser necessário harmonizar o catolicismo com a modernidade libertando-o de elementos especulativos (isto é, teológicos), ou seja, advogava ser necessário basear o catolicismo em «uma exegese histórica crítica do Novo Testamento» a única forma de a Teologia ter assento numa Universidade já que «teologia, para Harnack, é algo essencialmente histórico e assim estritamente científico» o que «acabaria na redução do cristianismo a um mero fragmento do que foi no passado».

Ora, Ratzinger não quer que o cristianismo seja este mero fragmento, quer retomar para o cristianismo o papel que este assumiu no seu passado «glorioso» e «racional» – nomeadamente na Idade Média em que este papel era assegurado «racionalmente» pela Inquisição – pelo que a ciência e o pensamento científico, crítica dos quais ele assume ser o cerne da dita palestra, têm de reconhecer ser a teologia a mais nobre das disciplinas à qual as restantes se devem submeter. Ou seja, os cientistas devem aceitar o Sapientia Dei, Scientia Mundi agostiniano, isto é, que há um conhecimento superior, a sapiência, a contemplação das «verdades eternas» divinas, e um inferior, a ciência, que consiste na interpretação dos dados sensíveis.

(continua)