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Jónatas Machado e a Teoria da Informação

«Esta é a quarta parte da série dedicada ao criacionismo, cujos argumentos foram tão bem resumidos pelo artigo de Jónatas Machado (JM) no jornal «O Público» do passado dia 8. Neste episódio veremos o problema da informação:

«Os criacionistas mostram que as mutações acumuladas, além de não criarem informação genética nova, destroem o genoma.»

Em primeiro lugar, temos o problema do sentido em que se usa a palavra «informação». JM ilustrou bem este problema num comentário neste blog:

«Assim como a informação contida nos livros não se confunde com as páginas […] também a informação contida no DNA não se confunde com os ácidos nucleicos […] A mesma pressupõe uma linguagem que dê sentido às sequências (de nucleótidos e demais informação não linear) e lhes faça corresponder operações celulares específicas.»

Isto está errado. Não há uma linguagem que faz corresponder ao Oxigénio e ao Hidrogénio a operação de se juntar para formar água. O que se passa é que as moléculas destes gases reagem espontaneamente em certas condições. Este é exactamente o caso com o DNA, o RNA, as proteínas, e tudo o que acontece dentro das células. São reacções mais complexas, que se encadeiam em grandes redes de processos químicos, mas que se regem pelos mesmos princípios que regem a combustão, a formação de gotas de óleo na água, a dissolução do açúcar na limonada, ou qualquer outro processo deste tipo.

É certo que se fala muitas vezes do código do DNA, do DNA como a linguagem da vida, e outras metáforas. Mas é como os glóbulos vermelhos a falar uns com os outros nos desenhos animados «Era Uma Vez a Vida». É uma forma engraçada de explicar conceitos básicos, mas claramente inadequada a uma análise mais rigorosa. Vamos então pôr de parte esta metáfora infeliz. Estamos a falar de moléculas, e não de textos escritos ou de glóbulos vermelhos que falam.

Pela definição de Ralph Hartley, a quantidade de informação numa sequência é tanto maior quanto mais símbolos diferentes possa ter e quanto mais longa for a sequência. Por isso o DNA tem mais informação quanto mais nucleótidos tiver, ou seja, quanto mais longo for. É bem conhecido que mutações podem alongar o DNA, quando um acidente na cópia faz com que um trecho seja repetido. Assim podemos ver que a informação, neste sentido, aumenta facilmente com as mutações.

É claro que podemos dizer que duplicar trechos não aumenta informação, pois são apenas cópias do que já lá estava. O que nos traz às medidas de informação de Shannon e Kolmogorov. Simplificando, a informação contida numa sequência é tanto maior quanto mais «desordenada» for a sequência. Isto é abusar da teoria, mas não quero tornar a discussão demasiado técnica, por isso vou apelar à intuição do leitor para explicar por exemplos. Imagine uma sequência de 30 As:

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

Isto podia ser escrito de uma maneira mais simples. Por exemplo:

30xA

Ou seja, a sequência de 30 símbolos na verdade tem apenas a informação duma sequência de 4 símbolos. Em geral, quanto mais estruturada e organizada a sequência, mais fácil é de a comprimir em sequências menores, e por isso menos informação ela tem. Uma sequência sem ordem nem estrutura nenhuma, como por exemplo:

AjdljAkSyEFekdHRpJxjwlJqalYaEEoTpCYlsUWlkalkf

não pode ser facilmente abreviada. A consequência disto é que as mutações aleatórias na verdade aumentam a quantidade de informação no DNA, aumento este que serve para alimentar o processo de selecção natural, pelo qual muitas sequências são eliminadas por não beneficiarem os organismos.

Outro problema no argumento que JM apresenta é, mais uma vez, confundir indivíduos com populações. Como JM elaborou num comentário:

«Na verdade, a criação de novas espécies é o resultado de perdas de informação […]. Dentro da categoria Caninus Familiaris [sic] existem 400 subespécies de caninos, embora todos eles com menos informação genética do que os seus ascendentes.[…]. Pensemos, por exemplo, num cão Chihuahua totalmente «careca». […] Embora se esteja aqui perante um caso de adaptação, a verdade é que se está perante perda de informação genética.»

O exemplo que JM escolheu é particularmente infeliz. No Chihuahua há dois tipos de pelagem: pêlo curto e pêlo comprido. O que era no lobo ancestral apenas um fenótipo, tornou-se pela evolução em dois fenótipos diferentes. Todo este exemplo dos cães demonstra um ganho nítido de informação. Inicialmente havia uma espécie, um ancestral recente do lobo cinzento. Hoje em dia há ainda o lobo cinzento (Canis lupus), e a sub-espécie do cão doméstico (Canis lupus familiaris). Como JM diz, e muito bem, as 400 raças diferentes são sub-espécies, e pertencem todas à mesma espécie. Ora o que JM parece dizer é que só se perdeu informação quando uma espécie como o lobo cinzento evoluiu para o lobo cinzento mais todas as 400 raças de cães domésticos. Parece-me que o que JM fez foi, inadvertidamente, dar um excelente exemplo de como a evolução pode aumentar a quantidade de informação presente numa população de organismos. O erro aqui foi (mais uma vez) o de confundir o processo de transformação de populações, que é a evolução, com aquilo que se passa isoladamente com indivíduos (e.g. o coitado do Chihuahua careca).

Outro ponto importante é que a mutação não é um processo dirigido, mas pode ser revertido por outra mutação. Se A sofre mutação e fica B, B pode sofrer mutação e ficar A novamente. Se uma mutação acrescenta um trecho ao DNA, outra pode apagá-lo. Qualquer que seja a definição que usemos, se uma mutação diminui a informação, a mutação contrária aumenta-a. Por isso é obviamente falsa a afirmação que a mutação apenas diminui a informação.

Em suma, quando virem este argumento criacionista da informação, lembrem-se de três coisas:

1- Nem os glóbulos vermelhos falam, nem o DNA é uma linguagem. Pode ficar giro nos desenhos animados ou alguns livros menos rigorosos, mas não é verdade.

2- A evolução é um processo de populações. Se numa população alguns indivíduos perdem o pêlo, o que interessa é que agora na população passou a haver dois tipos de pelagem em vez de apenas um. Ou seja, mais informação.

3- As mutações são reversíveis. Se muda para um lado também pode mudar para o outro, e por isso é absurdo dizer-se que só podem reduzir a informação.»