Loading

Igreja Católica e Holocausto – Itália


«Devemos-nos perguntar se a perseguição do nazismo contra os judeus não teria sido facilitada pelos preconceitos anti-judaicos existentes em alguns corações e mentes cristãos». – Cardeal Edward Cassidy – Nós lembramos – uma reflexão sobre o Shoah, 1998.

Neste documento oficial do Vaticano, que supostamente é um me(i)a culpa da ICAR em relação ao Holocausto é afirmado, entre inúmeros outros revisionismos descarados da História para limpar a imagem da Igreja, que «o Papa Pio XI condenou o racismo nazista de modo solene na Encíclica Mit brennender Sorge, que foi lida nas igrejas da Alemanha no Domingo da Paixão de 1937, iniciativa que provocou ataques e sanções contra membros do clero».

Na realidade a referida encíclica, assim como a enciclica Non Abbiamo Bisogno de 29 de Junho de 1931, igualmente referida pelos revisionistas católicos como críticas dos regimes nazi e fascista respectivamente, são críticas restritas às acções que limitaram a imiscuição, política e não só, da Igreja Católica nos respectivos países.

Por outro lado, como indica a historiadora Susan Zuccotti1 , não obstante os artigos anti-judeus no jornal oficial do Vaticano, L’Osservatore Romano, terem desaparecido durante o papado de Pio XII, eram muito frequentes até finais dos anos 30, revelando abertamente os «preconceitos anti-judaicos» existentes nos corações dos papas da época.

A pesquisa exaustiva da historiadora indica ainda a reticência do L’Osservatore Romano em referir sequer as atrocidades do regime nazi, nunca mencionadas. Mesmo depois da libertação de Roma em 1944 o jornal do Vaticano nunca mencionou o genocídio levado a cabo pelo regime nazi. No entanto, todas as letras foram poucas para denunciar as agressões soviéticas.

Depois da extradição, em 16 de Outubro de 1943, de 1 259 judeus romanos, mesmo debaixo do nariz do Papa, que não mexeu alguma vez um dedo em defesa dos judeus italianos, apenas é referida a caridade universal do Papa, sem distinção de «nacionalidade, religião ou ascendência» e em Dezembro do mesmo ano aparece um débil artigo, inconsequente, que objecta contra a prisão de judeus… por italianos. A intervenção nazi nunca é mencionada!

Na sequência da série de posts sobre o Holocausto, e dado a recorrência com que as referidas encíclicas são utilizadas na defesa da Igreja, certamente por quem sabe que a maioria dos que aceitam esta lavagem da História nunca as irá ler, retomo o tema com a análise da encíclica de 1931.

Uma vez que esta se inicia com uma crítica dura da extinção da Acção Católica (e de grupos das organizações de juventude católica a ela ligados) é necessário enquadrar politicamente esta extinção. Que teve cariz essencialmente político porque alguns dos seus dirigentes tinham sido igualmente dirigentes do partido católico, o Partido Popular, opositor do Partido Fascista no início da «carreira» deste último e perseguido, por vezes sangrentamente, por Benito Mussolini. Pio XI, que nunca referiu ou condenou as atrocidades cometidas pelos fascistas contra os católicos de cor política «errada», logo nos primeiros parágrafos da encíclica apressa-se a relembrar o papel fundamental que o Vaticano e ele próprio, Pio XI, tinham tido na ascensão de Mussolini e do Partido Fascista.

De facto, Bento XV decretou em 1919 que ninguém que tivesse ocupado uma posição de responsabilidade no Partido Popular poderia ocupar qualquer cargo directivo no que viria a ser uns anos mais tarde a Acção Católica, uma organização supostamente não política sob o controlo directo dos bispos, que traça a sua origem a 1867, na Sociedade da Juventude Católica Italiana, aprovada no ano seguinte por Pio IX.

A organização foi proibida pelo Vaticano de participar na política e deste modo não lhe era permitido opor-se ao regime fascista. Pio XI, o criador da Acção Católica que configurou e nomeou, ordenou posteriormente a todos os católicos que se juntassem à Acção Católica. Como consequência, centenas de milhares de católicos italianos trocaram o Partido Popular pela Acção Católica, deixando aberto o caminho ao «Homem da Providência» (como se referiu Pio XI em relação a Mussolini, em 20 de Decembro de1926).

Homem enviado pela Providência divina, porque, como o então arcebispo Roncalli, depois João XXIII, proferiria em 1939 (Mons. Roncalli, Carta à família, em 25 /12/39, apud Hebblethwaite, Giovanni XXIII, Rusconi Milano, 1989, p. 230).
«Benditos nós em Itália. Desta vez é preciso mesmo dizê-lo: há uma mão que guia o Duce pelo bem dos italianos. Eu creio que Deus queira recompensar governantes e súbditos pela paz feita com a Igreja (…) E é preciso que sejamos reconhecidos a Mussolini. Quantos homens de Estado houve na Itália antes dele! Os Papas sempre estiveram dispostos à conciliação, mas sempre faltou o homem capaz de lhes corresponder da parte do Estado».

1 – Susan Zuccotti, «L’Osservatore Romano and the Holocaust, 1939-1945»
Holocaust and Genocide Studies – Volume 17, Nº 2, 2003, pp. 249-277, Oxford University Press