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A virgindade ou a vida

Há uns dias uma das minhas amigas biólogas perguntou-me se não queria ir ao Centro de Saúde da Lapa participar de um estudo sobre a vacinação contra o Human papillomavirus ou HPV, em mulheres de uma faixa etária superior àquela a que a vacina se destina. Este estudo, que precede a introdução desta vacina no esquema de vacinação nacional recordou-me um post que escrevi há uns tempos.

O HPV designa de facto mais de uma centena de vírus dos quais algumas estirpes causam uma doença sexualmente transmitida, incurável e a principal causa de cancro cervical (e a razão porque nós mulheres nos temos de submeter regularmente a testes Pap). A infecção com o HPV por outro lado não é evitada com o uso de preservativo o que faz com que seja a DST de eleição dos teocratas americanos na sua cruzada anti-sexo.

De facto, a HPV é uma arma de peso para os fanáticos fundamentalistas que querem obrigar todos às virtudes cristãs por excelência, abstinência e virgindade, a explicação dada pelo senador republicano Tom Coburn de Oklahoma para a sua pretensão de que os preservativos deveriam ter uma aviso em como não ofereciam alguma segurança contra esta doença sexualmente transmissível ou DST.

Assim não é de estranhar que estes teocratas, grandes defensores de óvulos e espermatozóides, confirmem que a sua cruzada em «defesa intransigente da vida» é na realidade uma cruzada contra a «ideologia do sexo» esgrimida por Ratzinger, e tentem evitar que a vacina entre no esquema de vacinação norte-americano. De facto, com o HPV eliminado dentro de poucos anos pela vacinação, que papão usariam estes fanáticos cristãos nas suas campanhas de demonização do sexo e coacção psicológica à abstinência?

Deve-se a Agostinho a demonização do sexo, a associação da sexualidade a algo maligno, humilhante, perversão e vício. Para os cristãos fundamentalistas o sexo é um discordium malum, a «prenda» do Mafarrico disfarçado de serpente à pecaminosa Eva que para sempre agrilhoou a carne à Terra e a afastou dos céus e de Deus! E para estes fundamentalistas o perigo para a alma tem feições femininas e como tal é legítimo tudo o que as reprima de «espalharem o mal», isto é que evite a assunção plena da sua sexualidade, mesmo que isso acarrete perigos mortais para a mulher.

«Vacinar jovens mulheres contra o HPV pode ser potencialmente perigoso, porque elas podem ver isso como uma licença para praticarem sexo pré-marital» opinou Bridget Maher da Family Research Council ao jornal britânico New Scientist. Isto é, os fundamentalistas cristão americanos consideram que morrer de cancro cervical é a punição adequada para quem não se «guardou» para o casamento.

Outros piedosos cristãos afirmaram que teriam a mesma oposição em relação a uma vacina contra a SIDA, se uma for descoberta. «Temos de olhar atentamento para isso», afirmou Reginald Finger, um cristão evangélico que foi conselheiro médico da organização política conservadora Focus on the Family, «Com qualquer vacina a desinibição [o termo médico para a ausência de medo] do HIV seria certamente um factor e é algo a que teremos de prestar atenção com uma dose muito grande de cuidado». Fingers faz parte do Centers for Disease Control’s Immunization Committee, que recomenda que vacinas devem ser disponibilizadas!

Isto é, a arma esgrimida por estes fundamentalistas cristãos contra o aborto e contracepção de emergência que consideram abortiva, afirmando que são cruzados em «defesa intransigente da vida» é completamente desmascarada pela sua oposição a programas de vacinação contra as DSTs, contra programas de educação sexual e contra qualquer tipo de contraceptivos.

Na realidade os fundamentalistas cristãos de todos os flavours estão-se nas tintas para a vida, querem simplesmente controlar o comportamento de todos e que todos sigam as recomendações agostinianas sobre o pecaminoso sexo, corroboradas pelo Responsum do Papa que inventou os sete pecados mortais, Gregório Magno (590-604), «O prazer sexual nunca ocorre sem pecado».

Sexo é uma abominação que os fanáticos cristãos pretendem ser cumprida por todos no espírito de mortificação de quem sabe estar a cometer um pecado apenas admissível como um «duplo efeito», isto é uma acção directa promovida por uma razão moral (ter filhos) que tem um efeito inevitável, não intencional, indirecto e negativo: o prazer sexual.