A ressurreição de Jesus
Três dias após a crucificação, com as mãos doridas dos pregos e a cabeça picada de espinhos, Jesus, farto de ser cadáver, escapou-se do Santo Sepulcro.
Era um miserável T-0, destinado ao culto e ao óbolo dos crentes, onde carpia saudades de Maria de Magdala, cujos afagos lhe alteravam as hormonas e os fluidos.
Jesus pensou então, em seu pensamento, que um cadáver é indigno de um Deus e que o apodrecimento afastava os devotos, o respeito e a fé. Sacudiu os bichos que se alambazavam com o banquete, deu um piparote nos espinhos que lhe perfuravam o coiro cabeludo, sacudiu os cabelos que haviam crescido nos dois* dias que fora defunto e convenceu-se de que era Deus.
Fizera-lhe bem à coluna e à circulação aquele tempo de decúbito dorsal, reparador das perturbações ortostáticas sofridas no Gólgota para vender a fé e o martírio às gerações vindouras.
Baixara-lhe a albumina, embora ele não soubesse, e a boa disposição do homem sobrepôs-se ao mau humor de Deus. Não se lembrava do que acontecera entre a sexta-feira em que correu o boato sobre a sua morte e esse domingo que havia de ter enorme relevância no negócio da restauração e na evolução da doçaria.
Vagueou pela cidade de Jerusalém, apareceu à Maria, talvez a Judas para o avisar de que ia ser o bode expiatório da maior burla histórica, que estava em curso. Apiedou-se do hospedeiro que fiou a última ceia mas como um morto não costuma ter dinheiro, nem pensou sequer em pagá-la, quando era de novo vivo há escassas horas.
Hesitou entre a exibição do milagre, ramo em que se tinha tornado famoso, e o desaparição definitiva.
Para bem da lenda, fugiu. Domiciliaram-no os créus no Paraíso, onde permanece, com o rabo cheio de escaras, o que é natural para quem está sentado dois milénios, à direita do pai, seja o pai quem for, tal a confusão criada entre uma pomba, um carpinteiro e o padre eterno.
Mal sabe o defunto, que levou o cadáver para fora do planeta, que ainda hoje se comemora a sua alegada ressurreição.
E nem sonha como floresceu o negócio a que deu origem.
* Desconheço a razão pela qual a ICAR considera 3 dias o tempo que medeia entre sexta-feira e domingo. A verdade não é o forte das religiões nas coisas importantes. Por que havia de ser em questões de pormenor?
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
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- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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