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Guerra dos cartoons explicada

Desde que se acendeu a guerra dos cartoons que achei curioso o facto de os cartoons da discórdia terem sido publicados no Jyllands-Posten em Setembro, republicados pelo jornal egípcio Al Fager em Outubro, sem grandes manifestações de ofensa até há poucos dias. Esta guerra «atrasada», tal como há uns dias o editor-chefe do referido jornal, Adel Hammouda, referia, surpreendeu-me. E tal como ele achei que subjacente a esta guerra pseudo-religiosa estavam motivos políticos e que a pretensa ofensa que constituiam as inócuas caricaturas era apenas um pretexto que escondia uma motivação sem nada de religioso na origem.

Hoje, o New York Times confirma as minhas suspeitas, descrevendo a génese da indignação «espontânea» que tem varrido violentamente o globo.

A guerra das caricaturas foi orquestrada em Dezembro último quando os líderes das 57 nações muçulmanas, incluindo o presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad, se reuniram em Meca. De facto, a Organização da Conferência Islâmica (OIC) ou mais concretamente os governos que dela fazem parte viram no irrelevante incidente uma forma de «abafar» os protestos políticos dentro dos próprios países, que não são exactamente modelos de democracia e respeito dos direitos humanos, vindos não só de alas mais liberais das respectivas sociedades como de movimentos islâmicos. Assim, a questão dos cartoons foi acesa por estes governos, especialmente os governos do Irão e da Síria, com uma bombardeamento massivo das populações pelos media locais (estritamente controlados pelo estado) que culminaram nas demonstrações «espontãneas» de «indignação» (e em embaixadas em chamas e igrejas atacadas). Suponho aliás ser a primeira vez em muitos anos que os sírios são permitidos manifestar-se por algo…

Como afirmou Muhammad el-Sayed Said, o director do Centro Ahram de Estudos Políticos e Estratégicos no Cairo «Era algo menor até à conferência islâmica e a OIC ter tomado posição contra».

Sari Hanafi, professor associado na Universidade Americana de Beirute, considera que foi uma oportunidade usada pelos governos árabes para eliminar o atractivo que o conceito de democracia constitui para as respectivas populações, um papão que agitaram avisando que a democracia e as liberdades do Ocidente correspondem a desrespeito ao Islão.

Claro que foi igualmente importante o papel de desinformação, ou antes, de mentira deliberada de Ahmed Akkari, o libanês naturalizado dinamarquês que «produziu» 3 cartoons «extra», estes sim francamente ofensivos, e que convenceu alguns jornalistas egpícios que uma proposta de um partido de extrema direita para banir o Corão devido às suas passagens incitando à violência era mais que um delírio de um partido assumidamente anti-imigração e anti União Europeia (o Dansk Folkeparti ou Danish People’s Party obteve 13% dos votos nas eleições de 2005, uma votação não despicienda mas obviamente não representando a maioria dos dinamarqueses, que pretende que a Dinamarca saia da União Europeia).

Mas o pretexto oferecido pelo empenhado muçulmano «caiu do céu» para os governantes reunidos em Meca conseguirem travar os impulsos democráticos inspirados no Ocidente que ameaçavam os respectivos regimes (muitos dos quais ditaduras). Certamente que se não tivessem sido publicadas as ditas caricaturas veríamos, o mundo árabe certamente, mas eventualmente todo o mundo muçulmano inflamado contra uma qualquer liberdade «licenciosa» ocidental…