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Papa Ratz, Vol. 1: contra o erotismo e contra o marxismo(!)

A primeira Encíclica de Joseph Ratzinger enquanto Papa foi hoje disponibilizada. Intitula-se «Deus é Amor» («Deus caritas est») e, na aparência, destina-se a motivar e a apelar ao trabalho caritativo. No entanto, nos seus 42 parágrafos também se encontra uma condenação clara do «eros» e uma preocupação anacrónica com o marxismo. Deixo aqui alguns apontamentos que me ficaram de uma leitura rápida.

  1. Nos primeiros parágrafos, defende-se a «renúncia» ao erotismo e a sua «cura»(!). Concretamente, o alemão dos sapatinhos vermelhos diz-nos que «o eros quer-nos elevar «em êxtase» para o Divino, conduzir-nos para além de nós próprios, mas por isso mesmo requer um caminho de ascese, renúncias, purificações e saneamentos» (páragrafo 5). Na verdade, esta obsessão católica (muito contra natura…) em reprimir a natureza humana é um problema real: ao longo dos séculos, as directrizes eclesiásticas têm desviado muitos sacerdotes católicos de uma vivência descomplexada e saudável da sexualidade, com danos sociais consideráveis. O problema ainda não foi enfrentado desta vez.
  2. A maior parte dos parágrafos seguintes constituem uma defesa da caridade num estilo supinamente enfadonho. No entanto, não resisto a destacar uma passagem que merece ser atirada à cara daqueles católicos que odeiam ostensivamente o Diário Ateísta e os seus redactores: «a afirmação do amor a Deus se torna uma mentira, se o homem se fechar ao próximo ou, inclusive, o odiar». Notem-se, porém, os limites que Ratz coloca ao «amor cristão»: «eu amo, em Deus e com Deus, a pessoa que não me agrada ou que nem conheço sequer. Isto só é possível realizar-se a partir do encontro íntimo com Deus». Ao contrário do que pensa o Papa alemão, os ateus não necessitam de qualquer «encontro» com entidades sobrenaturais para terem muita paciência e tolerância para com alguns católicos e a sua agressividade e violência (religiosamente motivadas).
  3. A partir do parágrafo 26, Ratzinger começa a demonstrar uma preocupação, à primeira vista anacrónica, com a crítica do marxismo (que é referido pelo nome umas quatro vezes). Por exemplo, já no parágrafo 31: «uma parte da estratégia marxista é a teoria do empobrecimento: esta defende que, numa situação de poder injusto, quem ajuda o homem com iniciativas de caridade, coloca-se de facto ao serviço daquele sistema de injustiça (…) por isso, se contesta e ataca a caridade como sistema de conservação do status quo. Na realidade, esta é uma filosofia desumana». A crítica parece deslocada num momento em que esta corrente política atravessa um declínio global, e numa ICAR que sempre falou para a «direita» em matérias de «costumes» mas para a «esquerda» em «questões sociais». O alvo de Ratzinger poderá ser a colaboração dos católicos ditos «progressistas» com as esquerdas marxistas e socialistas em obras de assistência social: «A actividade caritativa cristã deve ser independente de partidos e ideologias. Não é um meio para mudar o mundo de maneira ideológica, nem está ao serviço de estratégias mundanas» (parágrafo 31). Mais, num gesto de puro sectarismo, o Papa sugere que não se deve aceitar a colaboração nessas obras de quem quer apenas «melhorar o mundo» sem se inspirar na concepção católica de «amor»: «No que diz respeito aos colaboradores que realizam, a nível prático, o trabalho caritativo na Igreja, foi dito já o essencial: eles não se devem inspirar nas ideologias do melhoramento do mundo, mas deixarem-se guiar pela fé que actua pelo amor. Por isso, devem ser pessoas movidas antes de mais nada pelo amor de Cristo» (parágrafo 33).
  4. A terminar, e para aqueles católicos que acham que a «caridade» que fazem lhes dá o direito de beneficiar de isenções fiscais para igrejas e objectos de culto, de reclamar direito de consulta em matérias políticas, de exigir subsídios para fins não assistencialistas, de impor a obrigatoriedade de presença de crucifixos nas escolas e etc, deixo uma passagem ratzingeriana que lhes rebenta na cara: «a caridade não deve ser um meio em função daquilo que hoje é indicado como proselitismo. O amor é gratuito; não é realizado para alcançar outros fins».