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A Igreja e o aborto III- gravidez ectópica

Depois de no post anterior ter afirmado que a posição da Igreja Católica face ao aborto é um sólido e rotundo não em todas as circunstâncias convém esclarecer que esta oposição é absoluta em relação a interrupções directas da gravidez mas existe um aceso debate sobre a «moralidade» dos abortos indirectos.

O que é e em que assenta a moralidade de um «aborto indirecto»? Um artifício rebuscado e falacioso que consiste em pretender que certos procedimentos médicos que resultem indirectamente na morte do feto ou do embrião podem constituir uma escolha moral via o princípio do «efeito duplo». Este afirma que uma acção directa promovida por uma razão moral pode ter um efeito inevitável, não intencional, indirecto e negativo.

De acordo com a Enciclopédia Católica uma acção envolvendo um efeito duplo só é moralmente aceitável se obedecer aos seguintes requisitos:

– Os efeitos negativos não são desejados e são efectuados todos os esforços razoáveis para os evitar.
– O efeito directo é positivo
– O efeito negativo não é um meio de obter o efeito positivo
– O efeito positivo é pelo menos tão importante quanto o efeito negativo

Assim, no caso de uma gravidez em que se descobre que a gestante tem um cancro no útero que se não for removido antes da viabilidade do feto causará a morte da mulher a maioria dos teólogos afirma que é uma escolha «moral» remover o útero para evitar a morte da gestante, não obstante a consequência colateral da morte do feto. A Enciclopédia Católica põe como ressalva os casos em que o procedimento impede um possível baptismo do feto, um efeito tão negativo que se sobrepõe ao efeito positivo de salvar a vida da mãe!

O problema de aplicação deste efeito duplo em casos que para qualquer outra pessoa pareceriam óbvios é evidente na gravidez ectópica, bastante frequente infelizmente, sendo a causa principal de morte de mulheres durante o primeiro trimestre de gravidez. Em cada 40-100 gravidezes ocorre uma gravidez ectópica, uma gravidez extra-uterina, frequentemente uma gravidez em que o embrião se fixa nas trompas de Falópio. Este embrião não tem qualquer hipótese de sobrevivência e a mulher corre risco certo de morte se não abortar espontaneamente antes de o embrião crescer o suficiente para provocar a ruptura da trompa.

Uma vez que a Igreja Católica não tem instruções oficiais sobre que tratamentos são lícitos ou ilícitos neste caso existem duas interpretações possíveis. A mais «progressista» exige que a gestante «respeite a vida do filho» e como tal os tratamentos «directos», que envolvem a administração de um mero comprimido ou uma pequena incisão no umbigo e subsequente remoção do feto da trompa, são proibidas. Para ser possível aplicar o «duplo efeito» numa gravidez ectópica um médico católico «progressista» deve proceder à ablação da trompa onde está implantado o embrião, que envolve uma cirurgia demorada e complexa. Ou seja, é indispensável sujeitar a gestante a uma mutilação e cirurgia desnecessárias apenas para satisfazer as convolutas (i)moralidades católicas.

Imoralidades claramente falaciosas na opinião de bioéticos reconhecidos, como Peter Singer da Universidade de Princeton. Que afirma «A distinção entre efeito directo intencional e efeito indirecto é um artíficio. Não podemos evitar responsabilidade simplesmente dirigindo a nossa intenção para um efeito em vez do outro. Se prevemos ambos os efeitos devemos assumir responsabilidade por todos os efeitos prevísiveis das nossas acções».

De qualquer forma a moralidade do duplo efeito é a interpretação «progressista». A interpretação tradicional da Enciclopédia Católica, afirma categoricamente que é ilícita qualquer intervenção numa gravidez ectópica, em que o embrião é «um agressor injusto» mas o efeito negativo (matar o embrião) é o meio de obter o positivo (salvar a mãe).

Todas estas questões (e mais algumas não mencionadas) conjugadas com a explosão do número de instituições de saúde religiosas nos Estados Unidos (generosamente financiadas com dinheiro público pelas administrações Bush), em que as católicas que correspondem a 18% de todos os hospitais e 20% das camas em solo norte-americano, preocupam algumas associações norte-americanas. Instituições católicas que se regem por uma directiva emanada da conferência de Bispos católicos americanos que tem uma secção muito detalhada (e muito nociva) sobre saúde reprodutiva da mulher…