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Dia: 6 de Julho, 2005

6 de Julho, 2005 Carlos Esperança

Tolerância cristã

Quando oiço falar da tolerância cristã vêm-me à memória dois milénios de violência que culminam na influência maléfica que a hierarquia católica exerce nos países sul-americanos e em vários países europeus, da Polónia à Espanha.

Se é verdade que judeus ortodoxos e muçulmanos, particularmente estes, não temem confronto com as malfeitorias dos cristãos, não podemos absolver a violência que brota dos livros ditos sagrados e do proselitismo dos crentes fanatizados.

Os cátaros e o huguenotes provaram cruelmente as manifestações de tolerância cristã, tal como os judeus e os muçulmanos. As Cruzadas e a Inquisição não foram epifenómenos de uma época mas inserem-se na matriz genética de uma doutrina que tem por ambição dominar o mundo.

A Reforma e a Contra-Reforma são o exemplo trágico da ferocidade que os cristãos são capazes de desenvolver. E que dizer dos cristãos que santamente acorriam aos locais de suplício para se deliciarem com as torturas e o churrasco de pessoas vivas?

Calvino foi tolerante? Os Evangélicos e os Adventistas são tolerantes? JP2 e B16 são exemplos de tolerância ou de bondade?

O Opus Dei não alberga o mais leve resquício de tolerância no coração dos seus membros. Monsenhor Escrivá, o tenebroso sacerdote que voou a jacto para a santidade, montado no dorso de JP2, foi director espiritual do casal Franco e do general Pinochet, dois terríveis ditadores que governaram respectivamente a Espanha e o Chile.

De Pinochet e esposa dizia JP2 que eram um casal cristão perfeito. Era esta a opinião do futuro santo sobre o torcionário, ladrão e fascista. É de exemplos de santidade assim que o cristianismo está cheio.

Que existem cristãos tolerantes não há dúvida. Que o cristianismo seja tolerante é falso.

6 de Julho, 2005 Palmira Silva

Choque e espanto

Como indicou o João Vasco, uma das pedras basilares em que foi fundado o estado americano, a completa separação estado-religião, está sob ataque nos Estados Unidos.

Num país cuja Constituição centenária não menciona Deus uma única vez, a «guerra» teocrática instalou-se com a nomeação de um juíz para o Supremo Tribunal em substituição de Sandra Day O’Connor que resignou na sexta-feira. Os teoconservadores pretendem ser o nomeado alguém como Antonin Scalia ou Clarence Thomas, que revogue a decisão Roe v. Wade (que permite a interrupção voluntária da gravidez), que garanta a discriminação de homossexuais, que ponha termo ao acesso a anticonceptivos, enfim que instale uma teocracia nos Estados Undidos. E os teocratas, que ajudaram a eleger Bush, acham que merecem pagamento por toda a indispensável ajuda, na forma da nomeação de alguém da sua linha para o Supremo Tribunal!

E tudo indica que G. W. Bush se prepara para nomear para o Supremo Tribunal Alberto R. Gonzales, um dos responsáveis pelo Patriot Act e pela cadeia de acontecimentos que culminaram em Abu Ghraib, sendo um dos autores dos memos «da tortura», dos quais foi amplamente divulgado aquele em que aconselha G.W. Bush a ignorar a convenção de Genebra no tratamento dos prisioneiros talibans.

A ligação de Gonzales ao presidente americano, de quem foi conselheiro até Fevereiro de 2005, data em que foi designado Attorney General, remonta à década de 90 quando Bush era governador do Texas e Gonzales seu secretário de estado e conselheiro. Gonzales, que revia todos os pedidos de clemência dos (muitos) prisioneiros condenados à morte no estado do Texas, de acordo com um artigo de 2003 publicado no The Athlantic Monthly, trabalhava activamente para negar essa clemência.

Um artigo de hoje no The New York Times (registo necessário) dá conta da dissensão nas hostes republicanas sobre esta provável nomeação polémica. Em que o cerne das objecções não tem nada a ver com a linha dura da actuação de Gonzales, quer quando conselheiro do governador do Texas quer no pós 11 de Setembro. Pelo contrário, os teoconservadores acusam Gonzales de ter uma posição muito «branda» nos assuntos em que estão especialmente interessados!

Assim, a Casa Branca e os líderes republicanos no Senado pedem contenção aos seus aliados conservadores no que se refere à possibilidade de Gonzales ser o nomeado. Nomeadamente que baixem o tom nas acusações de guerra «cultural», em que este cultural se refere a assuntos como o aborto, fim da separação estado-religião e casamento homossexual. Guerra «cultural» em que os teocratas consideram Gonzales do outro lado da barricada.

Gary Bauer, presidente da associação American Values e um conservador cristão, declarou que «Muitas pessoas sentem que a administração não devia ser relutante em falar dos valores que esperamos que o nomeado abrace» enquanto representantes de vários grupos conservadores cristãos afirmaram que vão pressionar o presidente para não nomear Gonzales, muito pouco conservador para os respectivos gostos! Ontem a associação Focus on the Family enviou uma mensagem electrónica aos seus apoiantes com o título «Bush defende Gonzales. Alguns conservadores questionam se ele é apropriado para o Supremo Tribunal».

Face às alternativas mais do agrado dos teoconservadores e considerando que as nomeações para o Supremo são vitalícias estou plenamente de acordo com o director executivo da Americans United for Separation of Church and State, o reverendo Barry W. Lynn! Quando este afirma que «Devemos insistir para que o Presidente Bush a substitua por alguém que respeite a liberdade individual. O’Connor era uma conservadora mas via a complexidade das questões igreja-estado e tentava escolher um curso de acção que respeitava a diversidade religiosa do país. A sua resignação potencialmente abre a porta à maior mudança na linha do Supremo Tribunal da história moderna».