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Três bispos em «jihad»

A decisão da Ministra da Educação de fazer cumprir a lei, terminando quer com a presença de crucifixos nas salas de aula, quer com os rituais religiosos nas escolas públicas, conseguiu irritar três bispos católicos no espaço de uma semana.
O sinal de partida foi dado por Jorge Ortiga (o presidente da CEP) na sua homilia de domingo, transmitida pela TVI, quando este fez alusões algo cifradas dirigidas a quem «queira retirar os sinais exteriores reveladores da cultura cristã da sociedade». A Ecclesia descodificou diligentemente essas alusões, colocando como subtítulo da notícia: «indirectas à intenção do Governo em retirar crucifixos das escolas».
Na terça-feira, o outro bispo de Braga, Dias Nogueira, no semanário O Diabo, acusou a Associação República e Laicidade de «xenofobia», de «combater a liberdade e a vontade da maioria» e acrescentou algumas insinuações extravagantes sobre teocracias islâmicas em que os cristãos, se «fizessem qualquer campanha para retirar o crescente das escolas (…) eram queimados (…) até poderiam ser condenados à morte», numa diatribe que pode ser lida como pretendendo ameaçar os laicistas com as fogueiras do Santo Ofício.
Finalmente, na quinta-feira entrou na luta política o bispo de Aveiro, António Marcelino, num editorial do Correio do Vouga. Com as boas maneiras e o rigor histórico que lhe advêm da sua formação católica, este bispo não hesita mesmo em lançar atoardas ordinárias sobre a «família laica (…) gente de que ninguém conhece nem pai nem mãe», atreve-se a ironizar com um «regime pidesco» que a ICAR historicamente apoiou e ameaça com uma «guerra religiosa».
Resumindo: estalou o verniz aos senhores bispos, por o Ministério de uma República que eles reconhecem ser laica ter decidido retirar os crucifixos de uma casa que não é deles. Mas já que de boas maneiras e rigor histórico estamos conversados, vamos lá a recapitular o que diz a lei…
  1. «O ensino público não será confessional» (artigo 43º da Constituição da República de que eu e os senhores bispos somos cidadãos);
  2. «Ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa» (artigo 41º da mesma CRP);
  3. «Ninguém pode (…) ser obrigado a professar uma crença religiosa, a praticar ou a assistir a actos de culto, a receber assistência religiosa ou propaganda em matéria religiosa (…)» (artigo 9º da Lei da Liberdade Religiosa).

Chega, senhores bispos? Se não chega, podemos discutir a questão no plano dos princípios. Eu estou pronto a defender o direito de qualquer católico a que não lhe seja imposto o crescente islâmico, durante a escolaridade que é obrigatória e paga por todos. Do mesmo modo, defendo que o muçulmano não deve ser obrigado a conviver com símbolos de outra religião nesse mesmo espaço. As escolas não são igrejas, nem são propriedade da ICAR. As escolas são para aprender, não são para rezar. Rezem nas vossas igrejas, dêem a catequese a quem o desejar, tenham crucifixos nas igrejas ou nas vossas casas. Os senhores bispos pretendem que a adesão à vossa religião seja livre, ou que resulte da imposição sistemática de símbolos e rituais? Se querem a segunda resposta, a «guerra», caros senhores, não é apenas com os laicistas, é com o regime democrático. Meditai nisso. Portugal não é Timor. E finalmente, se quereis ser referências éticas, deveis abster-vos de palavras belicosas e de mau gosto…