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A liberdade segundo JP2

Existe por aí quem pareça acreditar que JP2, o monarca absolutista do Vaticano, era um combatente da liberdade, talvez mesmo um libertário. Convém portanto não deixar cair no esquecimento as reflexões filosóficas de Karol Wojtyla sobre a liberdade, inseridas na Encíclica «Fides et ratio» («Fé e razão»). O Papa era, em boa verdade vos digo, um inimigo da liberdade tal como é entendida habitualmente. Comecemos por atentar no parágrafo 13 dessa Encíclica:
  • «É a fé que permite a cada um exprimir, do melhor modo, a sua própria liberdade. Por outras palavras, a liberdade não se realiza nas opções contra Deus. Na verdade, como poderia ser considerado um uso autêntico da liberdade, a recusa de se abrir àquilo que permite a realização de si mesmo? No acreditar é que a pessoa realiza o acto mais significativo da sua existência; de facto, nele a liberdade alcança a certeza da verdade e decide viver nela.»

Portanto, a «liberdade» na acepção doutrinal católica consiste em seguir um caminho único, o de uma «verdade» auto-proclamada, a fé, e na ausência desta a liberdade não se realiza. Ou seja, segundo a divagação papal, quem não é crente não é livre. E, pergunta o leitor, quem dá acesso a tal «verdade»? O parágrafo 2 esclarece:

  • «[A ICAR] recebeu (…) o dom da verdade última sobre a vida do homem».

Submete-se, deste modo, a liberdade de consciência à autoridade eclesial (católica, claro). E poder-se-á exercer a liberdade, recusando esta «verdade» e as suas consequências? O parágrafo 15 responde de forma categórica que a «verdade revelada» institui uma «obrigação»:

  • «A verdade da revelação cristã, (…) enquanto verdade suprema, ao mesmo tempo que respeita a autonomia da criatura e a sua liberdade, obriga-a a abrir-se à transcendência
A crença, para Karol, não era portanto livre e facultativa. Não é por acaso que no parágrafo 19 se clarifica que a liberdade é um «obstáculo» e, por isso, perniciosa:
  • «Se o homem, com a sua inteligência, não chega a reconhecer Deus como criador de tudo, isso fica-se a dever (…) sobretudo ao obstáculo interposto pela sua vontade livre e pelo seu pecado

A autonomia individual só pode, portanto, ser condenada sem ambiguidades (parágrafo 107):

  • «Iludindo-o [ao homem], vários sistemas filosóficos convenceram-no de que ele é senhor absoluto de si mesmo, que pode decidir autonomamente sobre o seu destino e o seu futuro, confiando apenas em si próprio e nas suas forças. Ora, esta nunca poderá ser a grandeza do homem

O indivíduo não pode portanto querer ser senhor do seu destino. Querer fazê-lo é «iludir-se» e afastar-se da «grandeza». Segue-se, inexoravelmente, a ideia de que quem não aceita isto não tem a mesma dignidade de quem o aceita, e de que só é verdadeiramente «homem» quem tem «fé», mas não uma fé qualquer (parágrafo 102)…

  • «o homem contemporâneo chegará a reconhecer que será tanto mais homem quanto mais se abrir a Cristo, acreditando no Evangelho».

E está tudo dito. Segundo Karol Wojtyla só se é livre se se for crente, essa crença é definida pela ICAR, implica que se abandone a liberdade individual aos ditames da ICAR, e quem não quiser nada disto é menos homem. Ou menos mulher, se considerarmos as consequências práticas mais gravosas, que não devem espantar ninguém que conheça o pensamento totalitário de Karol Wojtyla…