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Momento Zen de Segunda

Vanitas vanitatum, et omnia vanitas

Com o habitual frémito de segunda abri as páginas virtuais do Diário de Notícias (DN) em busca da opinação que me proporciona o meu momento zen semanal. E esta semana vale mesmo a pena, já que o Prof. João César das Neves se excedeu. Usando como inspiração o mito de Tomé, e num texto que parece dirigido aos ateístas, J.C. das Neves desdobra-se nas falácias que caracterizam o seu estilo inigualável mas que desta vez, de tão contraditórias, têm um efeito contraproducente.

Se não vejamos:

«A cada momento, e de múltiplas formas, muitas pessoas querem justificar-se por não aderirem ao grande movimento civilizacional que nasceu do acontecimento pascal, o maior processo global que o mundo jamais viu. E essa justificação é, simplesmente, porque não vêem nada. Vivemos num tempo científico, objectivo, realista…»

Neste parágrafo o professor admoesta-nos condescendentemente com um Argumentum ad Antiquitatem/Ad Numerum e lamenta o efeito pernicioso do pensamento científico no florescer da fé. Como já o tinha feito na sua homilia em que menoriza um dos cientistas nacionais de maior prestígio, António Damásio.

Seguidamente o professor mimoseia-nos com aquela que é talvez a pérola mais redonda da sua opinação de segunda:

«Tomé, tal como os nossos contemporâneos, não se dá conta da falta de lógica da sua posição. Se ele visse, não precisava de acreditar. Uma pessoa que observa reconhece, admite, aceita, mas já não consegue crer. Quem vê perde a possibilidade de acreditar.»

Misturar lógica num discurso construído à base de falácias é algo que não esperaria de um docente universitário, mas, como a sua elegia pretende mostrar, fé e razão são incompatíveis quiçá daí o deslize… de qualquer forma, neste parágrafo o Dr. das Neves adverte-nos dos perigos do método científico e da procura das evidências da existência do seu Deus. Mas estraga o ramalhete quando mais à frente nos indica essas mesmas «evidências», cuja procura (e inexistência), segundo o inenarrável opinador, é a fonte da céptica actualidade e contrária à fé: «A presença de Deus é evidente. A beleza magnífica da Criação, a grandeza paradoxal da Humanidade, a versatilidade inesperada da bondade».

Ou seja, para além de sugerir ser adepto do princípio antrópico e do desenho inteligente, o spin doctor de estimação do DN tenta desesperada e incipientemente mostrar que a saída do obscurantismo imposto pela mesma religião de que ele nos tenta impingir os dogmas é indesejável já que «A triste condição da Humanidade é a de ansiar sempre, por múltiplos modos e formas, à felicidade que só se pode ter na contemplação definitiva do Deus soberano». Mas como «um dos maiores dons que Deus nos deu, Ele que nos cumulou de mais graças do que podemos reconhecer, é precisamente o dom de não vermos» então «Temos mais mérito que Tomé», não obstante a reconhecida (e pleonástica) «grandeza do grande São Tomé».

O circunlóquio de êxtase místico, livre de qualquer contaminação de racionalidade, que é este «O dom de não ver» conclui que «essa terrível maldição» de procurar a felicidade que nos afasta de um salutar obsurantismo, pela graça d’«Ele, que até do mal tira o bem» por uma razão qualquer obscura e não explicitada pode transformar-se «no caminho de mérito e de participação na nossa própria salvação». Porque… «nós não vemos»?