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Dia: 8 de Janeiro, 2005

8 de Janeiro, 2005 Mariana de Oliveira

Mais peditório

Depois de ter comentado a carta enviada pelo padre da minha freguesia, pedindo o pagamento da côngrua, chega a notícia de que, em Lamego, o pároco de Lazarim e Lalim fez o mesmo se bem que em moldes um pouco distintos.

Da carta enviada aos paroquianos constava o seguinte: «como nem todas as famílias têm cumprido os deveres de pagamento da côngrua, devem as mesmas procurar um outro sacerdote que as sirva. Nomeadamente em serviços de casamento, baptizado e funeral». Podendo ainda ler-se que só «cumprindo com o pagamento da côngrua o cristão poderá ter direito à prestação dos serviços do seu pároco».

Resultado? A população não gostou, especialmente porque o padre Agostinho Ramalho sugere o «mínimo a pagar de côngrua de 20 euros, esteja reformada ou ganhe o dia». Por exemplo, um agricultor disse que «a fé em Deus não se paga» e que tem quatro filhos «que, de vez em quando, lá fazem uns trabalhos, conforme pede o senhor padre. Por cabeça tenho de dar 20 euros, é muito dinheiro».

O padre, por seu lado, não compreende as razões do descontentamento já que a «a carta apenas tem como objectivo chamar a atenção dos paroquianos para os seus deveres cristãos e morais» e que, apesar do que está escrito, «se alguém não pagar por falta de dinheiro, não vai ficar privado do serviço religioso».

E para que é que Agostinho Ramalho quer o dinheiro? Primeiro, para que «todos os paroquianos possam viver alegres na paróquia» e, depois, para o seu rendimento porque, coitadinho, não tem outras fontes de rendimento a não ser umas aulitas que dá no Centro de Promoção Rural de Lamego. Que pena tenho eu do senhor padre que, pobrezinho, não paga impostos sobre o que recebe, que tem cama, mesa e roupa lavada, que tem um horário de trabalho flexível. É triste…

8 de Janeiro, 2005 Carlos Esperança

Os crentes e a tolerância

O aparecimento de crentes tolerantes vai-se tornando uma constante a que urge estar atento. É um fenómeno das sociedades democráticas onde a secularização exerce a sua pedagogia. A religião não faz ninguém bom, mas não estraga todos por igual. Os livros sagrados reflectem a violência da época e a idiossincrasia de quem os escreveu, mas são poucos os crentes que os lêem e menos os que os levam a sério.

A verdade revelada dos quatro livros escolhidos no consulado de Constantino teve mais a ver com os interesses do império romano do que com as necessidades espirituais do Imperador. Esses livros, evangelhos, reflectiam interesses políticos que se tornaram determinantes para a organização política da ICAR e a conquista do poder temporal que logrou. Outro tanto aconteceu com a Tora, primeiro, e o Alcorão, depois.

Curiosamente, ainda hoje a ICAR vai buscar aos evangelhos que ela própria declarou apócrifos factos e personagens a que atribui valor canónico. É o caso de Ana e Joaquim, acoimados de santos e distribuídos a Jesus, como avós maternos cuja vida e respectiva existência os «verdadeiros» omitem.

Exceptuando épocas de crise em que o sentido literal da Tora, Bíblia e Alcorão são objecto de um proselitismo infrene, a tendência vai no sentido da relativização dos textos e o cumprimento da vontade de Deus aligeira-se como se o próprio, suspeito de Alzheimer, começasse a merecer desconfiança.

Com crentes tolerantes e civilizados é possível alargar os espaços democráticos no planeta e levar o respeito pelos direitos humanos a regiões onde são desconhecidos. Seria trágico que, por questões de assepsia, os ateus recusassem dar as mãos aos crentes de qualquer credo que sobreponham o espírito da paz à paranóia do proselitismo. Basta, para desgraça, que a inversa se verifique.

Infelizmente, à medida que a instrução, a diversidade cultural, o pluralismo e a miscigenação vão aproximando povos e criando laços fraternais entre eles, recrudesce no seio do clero das diversas religiões o pânico pela perda do poder, o horror à extinção, a volúpia da supremacia e a obsessão pelo absolutismo e a verdade única.

O clero tem reflexos tribais que urge conter com a difusão e aprofundamento da laicidade e tendências prosélitas que a separação da Igreja e do Estado minoram. A vocação totalitária, que a sociedade civil deve refrear, precisa de uma vacina que permita a vitória da paz, da liberdade e do livre-pensamento. A vacina existe – chama-se laicidade -, e interessa a ateus, crentes e agnósticos.