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O paradoxo do livre arbítrio

Existem dois tipos de crentes: os que acreditam no livre arbítrio, e aqueles que não acreditam.

Os segundos são uma minoria que se depara com um problema teológico básico. Se tudo acontece “porque Deus assim quis”, então as pessoas pecam “porque Deus assim quis”. Isso é uma evidente contradição com a ideia de que um Deus “infinitamente justo” as condenará ao Inferno se pecarem.

Mas praticamente todos os crentes que conheço acreditam no livre arbítrio.

No entanto, esta crença está em profunda contradição com a de um Deus criador, omnipotente e omnisciente.

Uma vez que a maioria dos crentes acredita nestas quatro coisas (livre arbítrio, omnipotência divina, omnisciência divina, criação divina) interessa mostrar onde está a contradição entre elas.

Para o fazer vou dar um exemplo através de uma interpretação literal do episódio da criação relatado no Génesis. Depois vou fazer a analogia entre este raciocínio e a forma como os crentes acreditam que Deus criou o Universo.

Deus criou o Paraíso e criou Adão, com livre arbítrio.

Perante a tentação da serpente, Adão é posto à prova, perante uma decisão: a de comer ou não comer a maçã.

A questão que aqui se coloca é que a decisão de Adão depende de quem ele é, e Deus já a pode ter previsto.

Se Adão é como é, ele vai optar por comer a maçã, e Deus já o sabia.

Se Adão fosse diferente, ele poderia optar por não comer.

Mas foi Deus que criou Adão. Foi Deus que, ao decidir com que personalidade queria criar Adão, decidiu qual das opções Adão tomaria.

No momento em que Deus criou Adão, ele poderia escolher diferentes personalidades para Adão, mas a cada uma delas saberia (devido à sua omnisciência) que decisão perante a maçã, Adão tomaria.

No momento em que Deus decidiu a personalidade que daria a Adão, Deus fez a escolha que Adão faria.

Desta forma, Adão apenas fez aquilo que Deus quis.

E tendo em conta que tudo aquilo que se passou foi consequência da criação, foi Deus que decidiu tudo.

Ele sabia que criar o Universo de uma determinada forma implicaria tudo aquilo que se passou, e, assim sendo, foi tudo decisão dele.

Se esquecermos o episódio do Génesis, que é tomado por muitos crentes como uma mera metáfora (e porque aquilo que estou a dizer se aplica a qualquer religião que acredite nos quatro pontos referidos e não apenas ao Cristianismo), o raciocínio exposto pode manter-se.

Deus criou o Universo, e ao fazê-lo estabeleceu condições iniciais que depois evoluiram.

A evolução consequente pode ter sido determinista ou indeterminista.

Se foi determinista, Deus, ao criar o Universo que criou, foi o único responsável e culpado por tudo o que se passou.

Se foi indeterminista, temos um espaço para o acaso, mas se admitirmos a omnipotência de Deus, o acaso também será da sua responsabilidade, mesmo que por inacção.

Assim sendo, não faz sentido acreditar no livre arbítrio E num Deus criador

omnisciente e omnipotente.

Por fim, devo dizer que eu ACREDITO no livre arbítrio.

Isto porque não tenho nenhum Deus criador omnipotente para culpar pelos meus actos: apenas a pessoa que sou (que ninguém escolheu), o acaso (em relação ao qual não posso responsabilizar ninguém, sequer por omissão), e as leis físicas (novamente, ninguém as escolheu).