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Charlatanismo legal

Se um homem, sem emprego nem poiso certo, estaciona a mala numa praça e começa a fazer propaganda a umas caixas de pomada que tira do interior, se diz que o unguento cura o reumatismo e a ciática, regulariza os intestinos e alivia as dores de cabeça, protege os rins e baixa a tensão, cura os diabetes e evita as artroses, esse homem que vende duas caixinhas por metade do preço de uma única, em qualquer casa da especialidade, é um aldrabão.

Se uma cigana, carregada de filhos, de netos e de fome, lê a palma da mão a um casal de namorados e lhes anuncia três filhos e muitas felicidades, um ou outro contratempo e uma longa viagem, largos períodos de muita paixão e curtos amuos, os adverte contra os maus olhados e a inveja, lhes pede um euro por cada linha da sorte que percorreu e acaba por se contentar com uma moeda, reduzindo o número de filhos e o grau de felicidade, é uma aldrabona.

Se um clandestino lhe quer vender um Rolex em platina, mais falso do que um clérigo romano, desviado da alfândega por um larápio em desespero, cheio de fome e medo da polícia, merece ser preso e deportado porque é um vigarista.

Se uma empresa domiciliada num apartado postal põe um anúncio a solicitar-lhe o envio de cinquenta euros, em cheque ou vale de correio, e, em troca, lhe promete um emprego que lhe permite ganhar até cinco mil euros mensais, sem sair de casa, é uma associação especializada no conto do vigário e que deve ser denunciada à polícia como criminosa.

Mas, se uma organização internacional, com rede de vendedores, comercializa indulgências e transportes para o Paraíso, transforma água vulgar em água benta, purifica pecadores com borrifos de hissope, limpa os pecados da alma usando como benzina sinais cabalísticos e ladainhas, distribui rodelas de pão ázimo e diz que contêm o corpo e o sangue de um pregador desaparecido há dois mil anos, fabrica milagres e cria santos, é a ICAR, igreja cujos bispos, padres, monsenhores, cardeais, diáconos e o próprio Papa só pensam na paz e no bem da humanidade. É respeitável e tem direito à protecção e preferência nos seus produtos, através de um convénio comercial a que se chama Concordata. A sede é no Vaticano.

Apostila – Para a ICAR, hoje é dia de todos os santos mas, com o fabrico em série, até o ano inteiro começa a ser curto para caberem tantos.