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Dia: 20 de Setembro, 2004

20 de Setembro, 2004 Ricardo Alves

Carta ao «Primeiro de Janeiro»

Publicou o «Primeiro de Janeiro», na sua edição de 19/9/2004, um artigo de opinião do cidadão António Marcelino que impõe alguns esclarecimentos e reparos.

Cumpre-me esclarecer que a Associação República e Laicidade (ARL) existe legalmente há mais de um ano e que, praticando a laicidade internamente, não exige dos seus associados opção filosófico-religiosa alguma, seja ela o ateísmo, o catolicismo ou outra qualquer. Não é portanto uma associação de ateus, embora uma delegação da ARL, preocupada com a discriminação grave a que os ateus continuam sujeitos, tenha participado no encontro de ateus realizado em Lisboa no dia 4/9, onde foi discutida a criação de uma associação ateísta.

No Censo português de 2001 declararam-se sem religião 342 987 pessoas. Estes cidadãos gozam dos mesmos direitos de liberdade de associação e de expressão que permitem às igrejas e comunidades religiosas a sua liberdade religiosa -só inteiramente legítima se sujeita a leis comuns a todos. A laicidade, para além de implicar a separação do Estado das igrejas e comunidades religiosas, realiza-se inteiramente na clara separação jurídica da esfera privada -onde se exerce a liberdade individual de adesão a uma convicção e a liberdade colectiva de associação- e da esfera pública -onde o Estado se deve assumir totalmente incompetente em matéria de religião e de convicção e impedir a apropriação do espaço público por qualquer grupo confessional ou filosófico. Justamente por defender que ninguém vale menos por ter ou não ter fé, a ARL defende a liberdade de criação e actuação de grupos de convicção e opõe-se à Concordata (e à Lei da Liberdade Religiosa), pois esta diferencia os direitos dos cidadãos católicos penalizando inevitavelmente os não católicos, nomeadamente ao garantir o ensino da religião católica nas escolas públicas, ao isentar os sacerdotes da obrigação de ser jurado e de depôr em tribunal, ou ao estipular um regime distinto para instituições como a Universidade Católica. A Concordata é tanto mais grave quanto, ao ser aprovada como um tratado internacional, retira ao controlo democrático as regras que se aplicam à Igreja Católica. Desejável seria portanto que a Assembleia da República se abstivesse de aprovar a nova Concordata (previsto para o dia 30/9) e revogasse a velha (assim como a Lei da Liberdade Religiosa), reforçando assim, sem discriminações nem privilégios, a plena igualdade de todos os cidadãos.

Ricardo Gaio Alves (Secretário da Direcção)

(Carta enviada ao «Primeiro de Janeiro» com pedido de publicação)

20 de Setembro, 2004 Carlos Esperança

A ICAR e o S.N.S.

Os hospitais e as escolas são instrumentos eficazes para a conquista do poder político e social pelas igrejas. Basta reparar como o fascismo islâmico se apodera deles, para exercer o controlo das pessoas e perpetuar a tirania teocrática.

Em Portugal, a ICAR conseguiu privilégios iníquos para a Universidade Católica e, progressivamente, vai tomando conta de residências universitárias, colégios, creches e, pasme-se, até do jogo, através da lotaria nacional e outras apostas que são monopólio da «Santa» Casa da Misericórdia.

Antes da progressiva secularização que substituiu as freiras por enfermeiros nos hospitais, a medicação podia faltar no momento certo, mas não se esqueciam as orações cuja posologia era exemplarmente cumprida. A aspirina para a febre podia esquecer mas o terço para a alma era obrigatório antes da hora de dormir.

Em Portugal a ICAR nunca desistiu de chamar a si uma parcela importante do ensino e da assistência, convenientemente subsidiada por governantes a que mingua pudor republicano e sobra a vontade de salvar a alma. Neste momento, pode estar em curso um golpe da ICAR para reforçar o seu poder no campo da saúde.

No excelente blog Causa Nossa, encontra-se o artigo «Orçamento Rectificativo» cuja publicação devo à amabilidade de Vital Moreira.

Apostila – Agradeço ao leitor Gabriel Silva ter-me chamado a atenção para o facto de a «Santa» Casa da Misericórdia ser gerida pelo Estado e não pela ICAR. Penitencio-me do erro e da confusão. As Misericórdias a que me quis referir são conhecidas em todos os concelhos e reportam ao bispo da diocese. É esta rede imensa que constitui o instrumento de domínio da ICAR.

20 de Setembro, 2004 André Esteves

O que diz Marcelino II

O artigo de opinião publicado no 1º de Janeiro, foi anteriormente publicado como editorial do “Correio do Vouga”, semanário da diocese de Aveiro. É sensivelmente o mesmo artigo, mas reproduzimo-lo na íntegra. Agradeço ao leitor atento que nos fez chegar a publicação deste artigo. (Obrigada!)

O ateísmo português, constítuido em associação

António Marcelino

Os jornais noticiaram a criação recente de uma associação de ateus, com o título “Associação Républica e Laicidade”. Nos propósitos levados à comunicação social, diz-se que os ateus em Portugal, a avaliar pelo censo de 2001, serão 250 mil, que o ateísmo junta pessoas que partilham ideias sobre o cepticismo, o agnosticismo e o laicismo e que não tm motivos para crer em Deus. Vai-se dizendo, ainda, que associação está contra a Concordata, pois esta é “uma subtracção de direitos do jogo democrático”.

Felizmente que vivemos num regime de liberdade de consciência e de expressão, no qual ninguém deve ser penalizado por acreditar ou não acreditar, por ser aderente desta ou daquela religião ou por não professar qualquer religião.

O fenómeno não é recente. Tem história que vem de longe, com matizesdiversificados no tempo e segundo as influências ideológicas em que se inspira. O Concílio Vaticano II, propondo-se “investigar a todo o momento os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do evangelho”, debruçou-se com muita seriedade e serenidade sobre o ateísmo, antigo e moderno, e procurou tirar, da sua reflexão, conclusões orientadoras.

O avanço dos estudos antopológicos, a nova visão crítica da história que não reduz esta a um amontoado de factos e datas, nem lhe corta a sua dinâmica interior e, por fim, a abertura necessária ao diálogo, com todos quantos o queiram fazer sem preconceitos e numa atitude de respeito, questionamento e procura, permite ir mais longe na consideração dos problemas que afectam profundamento o ser e o agir humano, e convidam ao entendimento construtivo entre pessoas honestas, qualquer que seja a sua raça, cor, língua, cultura, confissão ou não confissão religiosa.

O que se está passando agora e que bem se compreende, dado o contexto social em que vivemos, é a necessidade de afirmação pública do que se crê ou do que se vive, e que, até há pouco, mais fazia parte do íntimo e do privado de cada pessoa. Assim se justifica socialmente a associação de ateus, as diversas associações dos homosexuais, os grupos de luta pró-aborto, a militância organizada pelos direitos dos que vivem em união de facto e tantos outros acontecimentos, uns mais recentes que outros.

É curioso, porém, verificar que estes grupos e outra gente que navega em águas vizinhas, à medida que defende para si direitos de plena cidadania, os nega a outros portugueses, esforçando-se por fechá-los e às suas convicções, nos espaços privados das sacristias de cada um.

A nova associação anuncia, logo ao nascer, militância aberta em relação aos crentes, porque os ateus, eles sim, é que “valorizam a humanidade e a vida na terra, como um bem natural, sem qualuqer intervenção divina”. Acrescentam ainda que “os deuses são criações da imaginação dos homens como quaisquer outras abstrações”.

A tentação dos dogmatismos, novos e velhos, misturada com esse orgulho genético que torna impossível o dom da fé, é sempre prova de fraquesa ou deslocação dos pontos de apoio. Os motivos para acreditar não estão situados na cabeça, mas no coração, expressão do que anima a vida e lhe dá sentido e têmpero. A inteligência ou é também emocional, ou não é humana, nem favorece a vida do homem e as relações mútuas. Os fundamentalismos são a cegueira de um raciocínio unidimensional, que já nada tem de humano e por isso não tem por que respeitar nem a vida própria, nem a dos outros.

Sei bem que o ateísmo pode ser humanista e que assim é em muitos que se dizem ateus. porém, quando se corre o tejadilho que impede de olhar alto, deixa de se procurar e de contemplar o transcendente. O homem que só olha para si, vale menos e dá menos valor aos outros homens. A dimensão e o valor da pessoa não tem em si suas raízes.

Há que alimentar estas, aí onde elas nascem e onde começam a ter e a gerar vida.