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Do Androids Dream of Electric Sheep? Ou Da Ethos e da Mores

7 de Setembro de 2004  |  Escrito por Palmira Silva  |  Publicado em Não categorizado  |  Comentar

O Ateísmo, uma das poucas palavras a respeito de posições filosóficas de que a maioria das pessoas entende a etimologia e sobre a qual julga saber o suficiente mas normalmente cai em estereotipos e preconceitos reducionistas, não se restringe ao que o dicionário nos informa. Nomeadamente é assumido como indiscutível que moral ou ética são impossíveis sem uma base religiosa e os ateístas são assim estereotipados como indivíduos sem moral.

Nada mais longe da verdade, como espero clarificar nesta série de posts iniciados com Ética, livre arbítrio e pecado original.

Embora por norma se usem indistintamente moral e ética para designar as regras de comportamento que regem as sociedades, o pequeno preâmbulo etimológico que se segue pretende recuperar o significado original de ética que foi perdido no antropocentrismo das religiões do livro. Ou seja, a moral é indissociável da capacidade de salvaguardar o êthos, a morada humana, o planeta Terra global que habitamos.

Ética – do gr. êthos significa originalmente morada, seja o habitat dos animais, seja a morada do homem, lugar onde ele se sente acolhido e abrigado. Derivada desta surge ethos, que restringe a espacialidade à interna e significa carácter e os seus hábitos. A ética será assim a morada humana construída e incessantemente reconstruída a partir do ethos, por um trabalho conjunto da sociedade, possível por consolidação de hábitos e disposições internas que visam o bem comum.

Moral – do latim mores, hábitos ou costumes.

As normas de comportamento ou moral são indispensáveis para o bem estar e sobrevivência de um grupo, seja ele de humanos ou não. Como escreve Damásio2 «espécies animais extremamente simples [podem] exibir comportamentos sociais inteligentes». Assim, desde os primórdios da história da humanidade, o Homem social para sobreviver teve de adoptar uma série de regras, uma moral evolutiva que acompanhou a evolução neuro-biológica e social do homem.

Só é possível uma compreensão do ser do homem se percebermos que a mente, bem como as emoções, a moral e os sentimentos, são indissociáveis dos mecanismos de regulação biológica. Na realidade aquilo a que chamamos moral não é mais que um conjunto de fenómenos biológicos que permitem resposta rápida a estímulos exteriores*. Os avanços científicos em áreas como as neurociências, que estabelecem a ponte entre as ciências da vida e as ciências do homem (antropologia, ciências cognitivas e psicologia), permitem-nos uma explicação livre de dogmas sobre os fundamentos dos nossos comportamentos morais e até explicam a biologia das crenças religiosas.

Voltando ao comportamento ético, o ponto que quis vincar com este post foi o de que a ética tem bases evolutivas e os valores éticos são, ou deveriam ser, aqueles que melhor contribuem para a preservação dos grupos sociais e do respectivo habitat. Na nossa era de globalização quer o grupo social quer o habitat dever-se-iam alargar a toda a Gaia que habitamos. E, especialmente, que a ética ou a moral não têm nada a ver com religião, não obstante a tentativa de apropriação por parte das religiões, cheias de dogmas e tabus irracionais, da supremacia da moral.

A ética cristã assenta na natureza intrinsecamente má do Homem, causada pela dentadinha na maçã da pérfida Eva, e na supressão virtuosa dessa natureza humana, por obediência a ditames divinos. A ética ateísta pretende não só devolver ao Homem a dignidade que as religiões do livro lhe sonegaram como combater o antropocentrismo autista que estas promovem.

Alguma Bibliografia

Sobre as spindle cells, neurónios morais, que existem apenas no homem e, em menor abundância, nos primatas superiores recomendo: um artigo científico nos Proceedings of the National Academy of Sciences (US): A neuronal morphologic type unique to humans and great apes e um artigo para o público em geral, no International Herald Tribune: Humanity? Maybe it’s all in the wiring.

*Sobre a moral biológica:

1- Richard Dawkins O Gene Egoísta (Gradiva- Colecção Ciência Aberta)

2- António Damásio Ao Encontro de Espinosa: As Emoções Sociais e a Neurologia do Sentir (Publicações Europa-América, 2003)

3- William A. Rottschaefer The Biology and Psychology of Moral Agency (Cambridge Studies in Philosophy & Biology)

4- The Neural Correlates of Moral Sensitivity: A Functional Magnetic Resonance Imaging Investigation of Basic and Moral Emotions

5- The Neural Basis of Altruistic Punishment

6- An fMRI Investigation of Emotional Engagement in Moral Judgment

7- Social Cognition and the Prefrontal Cortex

 

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