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Mensagem para o II Encontro Nacional de Ateus

Não há democracia sem pluralismo, condição difícil onde a religião influencia o aparelho de Estado e impossível onde dele se apropria. A teocracia é o mais deplorável e cruel exemplo.

As religiões, TODAS, reivindicam para o seu Deus, único verdadeiro, o monopólio do transporte das almas para o Paraíso. Os crentes são prosélitos a quem cabe corrigir os erros (pensamento diferente) e evangelizar os infiéis (submeter os outros), aos ditames dos seus próprios preconceitos.

A fé é sempre intolerante. Transforma diferenças em divergências, opiniões em erros e livre-pensamento em heresia.

Os princípios religiosos chamam-se mandamentos e a sua origem é atribuída à revelação divina. Ora, havendo conceitos diferentes entre as várias religiões, ou dentro de cada uma delas, os fanáticos dispõem-se a erradicar os erros alheios. Conforme as condições, castigam o réprobo ou amaldiçoam o ímpio. Se tiverem força, convertem o herege.

Matar não é delito, se for um acto de piedade para purificar o mundo e agradar a Deus. Qualquer crime cometido com motivações religiosas, por mais hediondo que seja, é um acto de devoção, favor com que se agradece o privilégio da verdade incontestável.

Quando a religião extravasa o domínio do privado, compromete a liberdade. O cristianismo, que o Papa tanto exalta, foi durante muitos séculos o algoz dos povos que converteu, «numa das mãos a espada, na outra a cruz». Com a ferocidade de quem tem a certeza da verdade, com o arrojo de quem se julgava ungido pelo único Deus genuíno, com a boçalidade de quem conhecia mal o mundo mas sabia de cor a bíblia, os missionários perseguiram, torturaram e aniquilaram os que não tinham a sua religião.

O cristianismo medieval foi, por acaso, mais benevolente do que o islão radical, que lança hoje os crentes no martírio, na piedade e no crime? Abominou a escravatura, as fogueiras e a tortura?

Os papas, veja-se o actual, são substancialmente diferentes dos talibãs? Alguém diz ao último ditador europeu que não tem procuração de Cristo, não é detentor da verdade absoluta e, sobretudo, não lhe assiste o direito de impor os seus preconceitos para além da comunidade que lidera?

Ninguém convence os hierarcas religiosos de que a discriminação da mulher é um crime, mas, se essa é a vontade de Deus, não há outro remédio senão contrariar-lhe a vontade e os preconceitos e corrigir os desvarios divinos. E como Deus não tem feito prova de vida, é aos seus mandatários que o respeito pelos princípios humanistas, direitos do Homem, igualdade dos sexos, pluralismo e liberdade têm de ser impostos.

Na Grécia, a obrigatoriedade de os Bilhetes de Identidade mencionarem a religião manteve-se até 2001, B.I. que, dado o carácter vitalício, continuarão a exibir a religião dos respectivos titulares ainda por muitos anos. A obrigatoriedade do baptizado e casamento religioso só foi abolida em 1983, pelo governo socialista, o que se coadunava com a Constituição, outorgada «em nome da Indivisível e Santíssima Trindade».

Em Espanha, sob o Governo de Aznar, o ensino da religião nas escolas públicas permaneceu obrigatório. E a crispação eclesiástica faz-se sentir contra as medidas de laicização em curso.

Na Irlanda, sob a mais pia Constituição da União Europeia, aprovada «Em nome da Santíssima Trindade de Quem advém todo o poder e perante Quem todos nós, indivíduos e Estados, prestamos contas em última instância…», tem sido difícil e lenta a libertação do poder asfixiante da ICAR.

Na América do Sul, o acesso ao divórcio tem sido interdito ou dificultado, sob forte pressão da ICAR. A despenalização do aborto, mesmo face ao risco de vida da mãe, às malformações do feto ou na sequência de violações, tem encontrado a feroz oposição da Igreja. O pluralismo religioso é fortemente combatido pelo proselitismo católico, tendo apenas sido abertas algumas brechas, a favor de correntes protestantes, graças à hegemonia económica, política e cultural dos EUA.

Os chilenos só em Novembro próximo terão direito ao divórcio, direito que a ICAR combateu até ao limite das suas possibilidades.

Paulo VI, que desprezava as mulheres, embora tivesse particular carinho pelos homens, interditou a pílula às mulheres em 1968 na sua encíclica Humanae Vitae.

A perseguição aos homossexuais é outra das taras religiosas particularmente virulenta na ICAR, quiçá por razões que pertencem ao domínio da psicanálise.

A ICAR glorifica a dor, faz a apologia do martírio e apresenta o Papa como apóstolo da paz (que dirão as bósnias violadas, proibidas de abortar por JP2, ou as vítimas do genocídio ruandês), mas o último ditador europeu não disfarça a frieza brutal que é seu apanágio.

A liberdade de expressão, os direitos humanos ou a igualdade entre os sexos não constam do léxico papal. São outras obsessões que alimentam os seus delírios místicos – a virgindade e a castidade – únicas respostas que encontra para a bomba demográfica que ameaça a sobrevivência do planeta. O preservativo e a contracepção são os ódios de estimação para quem sabe que a miséria e o sofrimento são o húmus onde medra a fé e se desenvolve o poder eclesiástico.

A evangelização cristã foi um acto de colonialismo que destruiu culturas indígenas para as submeter à servidão da cruz. Não se distingue do proselitismo islâmico, que hoje raia a paranóia, desesperada reacção de uma civilização falhada, estertor violento da decadência árabe. Assemelha-se ao judaísmo ortodoxo que continua convencido de que a Tora lhe confere direitos territoriais sobre a Palestina. O Induísmo não consegue libertar-se do odioso regime de castas.

É ocioso prosseguir.

Não há religiões boas, há perversões de que abdicam sob pressão do humanismo, crimes de que desistem face à ânsia de liberdade e de igualdade que povoa o coração dos homens.

Em relação à fé é preciso combater a droga, não as vítimas, e erradicar a doença sem molestar os doentes. Os crentes são vítimas, angariados muitas vezes à nascença, para a lavagem cerebral que perpetua os valores ignóbeis dos parasitas de Deus.

O ateísmo recusa o proselitismo mas não renuncia ao combate pela liberdade nem à luta contra o obscurantismo.

Este encontro é a prova da nossa determinação.