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Barrigas de aluguer (2)

Por

ONOFRE VARELA

Vimos no último artigo que Agar, criada egípcia de Abraão e Sara, aceitou servir de barriga de aluguer para gerar um filho de Abraão. O que as estórias bíblicas nos dizem é que, a partir daí, Agar passou a olhar desdenhosamente para a patroa, dando-lhe a perceber a sua inutilidade como mulher. Sara não gostou daquele olhar e pediu ao marido que expulsasse a criada. Esta, apercebendo-se do perigo que corria mantendo-se naquela casa, esperou o nascimento do filho, Ismael, e fugiu durante a noite levando a criança, com a intenção de abandonar o filho à morte.

Mais uma vez Deus actuou durante o sono, incentivando Agar a salvar o bebé, pois ele, Deus, tinha projectos destinados ao rapaz. E assim se fez. Entretanto, Sara conseguiu engravidar de Abraão, cumprindo-se a vontade de Deus, e nasceu Isaac. Na Mitologia grega também há uma estória de barriga de aluguer. Zeus, lá do seu trono celeste, deixou cair o seu divino olhar sobre Alcmena, enamorando-se dela. Os deuses gregos eram guerreiros e sexualmente activos… as paixões platónicas ainda as não havia inventado Platão (reeditadas pelo filósofo florentino Mirsílio Ficino no Séc XV), e só viriam a servir para serem usadas pelo Cristianismo sofredor! Por isso Zeus passou a alimentar a ideia de uma relação carnal com aquela bela mulher, a ter lugar rapidamente.

Porém, Alcmena era mulher de Anfitrião, general dos tebanos, e o militar vigiava-a não a deixando sozinha um minuto sequer… o que era um empecilho para os intentos do deus dos deuses. Mas um deus que se preza, nunca se atrapalha… e Zeus traçou um plano. Encarregou o seu filho Hermes – Deus do comércio, dos ladrões e mensageiro dos deuses – de pôr em prática o plano que arquitectara para conseguir encontrar-se com a mulher dos seus divinos sonhos.

Aproveitando a saída de Anfitrião para a guerra de Tebas, Hermes tomou a forma de Sósia, escudeiro de Anfitrião e amante de Calipsandra, que era criada de Alcmena, para guardar os aposentos desta, não fosse o general chegar antes do tempo. Zeus tomou a forma de Anfitrião e entrou no quarto de Alcmena. Não desconfiando que aquele homem não era o seu marido, a mulher entregou-se a ele naquela noite em que o achou especialmente fogoso. Dessa relação nasceu Hércules, o homem-deus… e deste mito da segunda barriga de aluguer das estórias religiosas, sobram-nos termos como sósia, para referir pessoa muito parecida com outra, e anfitrião, aquele que recebe em sua casa (mas que no mito grego e na exacerbada expressão latina se coaduna mais com “corno-manso”).

A Mitologia Cristã dá-nos a terceira barriga de aluguer das estórias mitológicas: Maria, que engravidou por obra e graça do Espírito Santo que tomou a forma de uma pomba, e fez com Maria, de um modo casto e sem cenas erótico-pornográficas, exactamente o que Zeus fizera com Alcmena de um modo muito mais próximo à realidade dos homens, numa relação infiel e criminosa.

Com Maria aquilo esteve mais próximo de uma inseminação artificial em laboratório, com o bico de uma casta pomba a servir de agulha hipodérmica.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV