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A mulher mártir

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Nawal el-Saadawi nascida em 1931 e falecida em 2021, foi médica e escritora egípcia, e liderou a luta pelos direitos da mulher no mundo árabe. Foi perseguida e detida várias vezes por pensar de modo diverso do estabelecido numa sociedade machista e por divulgar o seu pensamento. Teve os seus livros confiscados e proibidos, tal como em tempo de ditadura Salazarista por cá se fazia.

Cresceu numa cultura patriarcal onde as raparigas estavam sujeitas a vários abusos desrespeitadores da mulher, como o casamento infantil e a mutilação genital. Sofreu tal mutilação por imposição familiar e tornou-se numa activista contra tão aberrante procedimento em nome de uma tradição referida como sendo cultural, mas que é, também, criminosa. Na verdade a mutilação genital é uma condenação ao sofrimento da mulher por toda a sua vida, impedindo-a de ter prazer sexual, o qual é substituído por dores sempre que tem relações. 

Escreveu dezenas de livros abordando temas tabu, como sexualidade e prostituição. Observando o mundo pleno de sociedades patriarcais e homófobas, escreveu: “Depois de viajar por todo o mundo, descobri que as raparigas são educadas de uma maneira muito parecida; estamos todas no mesmo barco. O sistema patriarcal, capitalista e religioso é universal”.

Desta universalidade nasce o desrespeito pela mulher. Na nossa sociedade ainda se discute o óbvio: se a mulher que executa o mesmo trabalho de um homem, deve receber um ordenado do mesmo valor. As tabelas salariais são sempre mais baixas para a mulher!… Esta discriminação não significa nada mais que não seja atribuir o estatuto de menor importância à mulher, e tem origem em milenares conceitos religiosos. Se no mundo ocidental (onde tanto se fala no sentido de humanidade pregado por Jesus Cristo) esta verdade existe, em países muçulmanos o drama é substancialmente ampliado.

Lembro um caso acontecido na Turquia, onde os chamados “crimes de honra” ainda são entendidos como o eram na medievalidade. No ano 2000 os jornais deram conta do caso de uma rapariga turca, de 14 anos, ter cometido a imprudência de ir ao cinema com umas amigas sem a autorização prévia da família… o que era uma vergonha. Em reunião caseira de machos, foi sentenciada a pena capital para a “portadora da vergonha familiar”, e um sobrinho da jovem, também menor, foi encarregado de executar a “justiça”. Sem pestanejar nem se interrogar por que haveria de fazê-lo, o moço aceitou naturalmente a incumbência como um ritual a ser cumprido sem questionamento. Provavelmente até se sentiu honrado por ter sido escolhido para aquela tarefa que lhe daria mais valia curricular de macho. Saiu da sala, passou pela cozinha onde pegou uma faca, foi-se à tia… e degolou-a!… E a Justiça turca nada pôde fazer, por aceitar a figura do “lavar da honra com sangue”!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Nino Carè por Pixabay