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Vamos entreter deus?

Texto de Arnaldo Martins:

Não se deixe o leitor enganar pelo titulo deste artigo uma vez que um ser tão poderoso certamente conseguirá entreter-se a sí mesmo.

Vou pedir emprestado ao Vasco Santana a sua famosa frase cinéfila e clamarei que: “Deus, há muitos! Seu p….”

Isto a propósito da crença de um sem número de pessoas que há um ser com características igualzinhas às dos humanos – ciumento, invejoso, vingativo, bélico, irado, etc – que acresce as próprias de um ser desta natureza – omnipotente, omnipresente, omniconsciente, pináculo da moralidade e por aí adiante.

Entreter a ideia que um ser desta índole exista é abrir o caminho para que mais seres possam ser caracterizados, proclamada a sua existência, introduzidos no quotidiano, atribuídas funções miraculosas e semeada na cabeça das pessoas que é impossível que eles não existam porque o ser humano não possui as capacidades cognitivas para provar ou negar a sua existência.

Por outras palavras, quem alega passa para o não crente o ónus da prova ou, só para parecer imparcial, afirma que não se consegue há data dizer que existe ou não existe, ou ainda por cima afirma que nem se sabe se algum dia poderemos comprovar ou não a sua existência.

Pois bem, questões filosóficas há muitas e de resposta difícil de encontrar. Se salvamos a vida a uma criança ou salvamos a vida a um médico, por exemplo. Só há uma dose de vacina para um vírus mortífero, neste caso tomo eu ou toma a minha mulher? Isto são tudo questões com uma carga moral forte cuja opção por uma ou por outra são válidas tendo em conta os argumentos apresentados e aceitação dos mesmos pelos próprios envolvidos ou pela comunidade em geral. Será função do filósofo alertar e identificar alternativas ou razões para tomada da decisão, mas a decisão final será sempre da responsabilidade dos interlocutores e o filósofo não tem de escolher nenhuma das opções a não ser o de esclarecer as hipóteses possíveis.

No caso de Deus, a questão é simples. Basta saber aquilo que tem acontecido ao longo da história para perceber que este é mais um igual aos milhares que já foram descartados pela humanidade.

Ninguém acredita em Zeus, Odin, Thor, Osiris, Horus, Shiva, etc. Quem acredita nestes deuses fá-lo com a mesma ignorância e falta de prova de quem acredita no Deus Jeová.

Entreter a ideia de que não se pode provar ou negar a existência de Deus é dar carta branca àqueles que fazem livros religiosos cheios de histórias alucinadas, de feitos mirabolantes, de práticas horrendas, de acontecimentos historicamente inexistentes, de explicação de fenómenos naturais com base em intervenções divinas, no fundo, criar um mundo ilusório desprovido de senso comum e desconforme com a realidade.

A negação da existência de Deus não é feita por nenhum ser humano (cujas faculdades podem ser mais ou menos afetadas no que toca ao raciocínio lógico), mas sim pela crueza e objetividade da realidade em que vivemos.

Colocar a questão da existência de Deus no patamar filosófico é atribuir valor às ideias patéticas e das quais nos devemos afastar em nome da racionalidade e da valorização da natureza e condições humanas.

Esperar que os problemas de vivência em comum seja dirigidos por um ser celestial é ignorar o valor intrínseco da nossa capacidade inata de empatia e de preocupação pelos que são nossos e pelos outros.

Albergar a ideia de Deus na nossa cabeça, apenas faz com que ele morra connosco quando chegar a nossa hora.

Imagem de Tumisu por Pixabay