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O Presépio

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita, a propósito das celebrações natalícias.

Estamos a viver a quadra natalícia que na cultura católica representa o nascimento de Jesus Cristo e, além da Igreja, é um tempo de comércio que anima as ruas das cidades na onda consumista habitual, salvadora dos lojistas que, fora das datas fomentadoras de vendas, quase agonizam pela falta do poder de compra dos trabalhadores obrigados a sustentarem a família com o ordenado mínimo… e cujo sustento está agora agravado pelos reflexos económicos da guerra que Putin faz à Ucrânia.

Na cultura ocidental a Igreja Católica é a entidade que tem maior riqueza iconográfica, sendo, por excelência, uma religião de imagens que alimentou pintores e escultores através dos séculos, e por isso possui uma pinacoteca das mais importantes. A imagem cristã mais mostrada na quadra natalícia é o presépio que pretende ser uma representação do nascimento de Jesus Cristo.

Uma breve consulta ao Novo Testamento mostra-nos que, de entre os quatro evangelistas sinópticos que nos falam da hipotética história de Jesus Cristo, nenhum deles nos narra a cena que estamos habituados a ver designada por “presépio”. 

Mateus (2:11) diz-nos que os reis magos “entrando na casa acharam o menino com Maria”. Logo, o estábulo da tradição não existe nesta referência, já que o local do nascimento seria “uma casa”. 

Marcos (1:9) omite o nascimento de Jesus, referindo-o já como adulto, quando foi baptizado nas águas do rio Jordão por João Baptista.

Lucas (2:7) já nos diz que Maria “deu à luz o seu filho primogénito e envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem”. 

Esta necessidade de José e Maria terem uma estalagem para pernoitar, deveu-se ao facto de se deslocarem de Nazaré, onde viviam, para Belém, no cumprimento de um decreto emanado pelo fundador do Império Romano, e seu primeiro imperador, Caio Júlio César Octaviano Augusto (27 aC – 19 dC) que havia anexado o território da Judeia. O representante de Roma naquelas paragens era Copónio que, como primeira função governativa, ordenou um censo na Judeia e Samaria com o fim de obter uma listagem de cidadãos, actualizada, para efeitos de cobrança de impostos. O casal partiu para Belém (o local do recenseamento) quando Maria já estaria num estado avançado de gravidez. 

João (1: 29-34), tal como Marcos, só refere Jesus quando do baptismo no rio Jordão, omitindo o seu nascimento. (Para informação dos distraídos: este João [o Evangelista] era irmão de Tiago e filho de Zebedeu; e não é o mesmo João [o Baptista] filho de Zacarias e Isabel, e primo de Jesus, o qual baptizou, e que, tendo sido preso por Herodes Antipas I acabou decapitado. Segundo a lenda, a sua cabeça foi oferecida numa bandeja a Salomé. O outro apóstolo João, o Evangelista, morreu de morte natural contando 94 anos).

A imagem do presépio que hoje figura na maioria das casas e nas montras das lojas na época natalícia, teve origem numa ideia de Francisco de Assis que, em 1223 festejou o Natal fora da igreja, montando uma manjedoura na floresta de Greccio, Itália, colocando junto dela um boi e um burro como elementos tradicionais de um estábulo. O povo não entendeu de imediato o significado daquela encenação não lhe tendo prestado grande atenção. Mas durante a Idade Média aquele costume espalhou-se e ganhou tal importância que, já no século XVI (em 1567), a Duquesa de Amalfi mandou montar um grandioso presépio com 116 figuras representando o nascimento de Jesus Cristo com a adoração dos reis magos, dos pastores e com anjos a cantar. A partir do século XVIII o costume espalhou-se pelas casas dos crentes, mantendo-se até hoje e promovendo colecções que vão das mais simples representações até às mais complexas e valiosas. 

Convenhamos que o presépio, enquanto decoração natalícia, fica muito bem nas montras de lojas e nos centros comerciais… animando o consumo.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Alexa por Pixabay