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Deus, hoje.

Texto de autoria de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

Os avanços adquiridos pelas ciências, mais o nosso próprio entendimento das coisas conseguido pelas transformações sociais que a todos afectam, promovem conhecimento que se reflecte no nosso saber e induz comportamentos. O fácil acesso que temos à informação não permite a leviandade de dizermos desconhecer qualquer assunto. Admite-se que não aprofundemos matérias que não nos interessam, mas não se aceita que, interessando, as desconheçamos mais do que o aceitável.

Neste âmbito encontra-se o conceito de Deus, ainda tão presente nas nossas mentes, mas que, hoje, já não pode (não deve) ser considerado do mesmo modo, nem com a mesma importância social, como o era na Idade Média. Está claro que há sempre, no mínimo, dois modos de se entender Deus: o do crente e o do curioso. O crente perdeu a curiosidade que conduz ao interesse de saber; o crente “não sabe”… apenas crê. E crer não é saber. Por mais que eu creia que o comboio parte ao meio-dia, eu vou perdê-lo se não souber que ele parte às nove horas (se não houver greve!…).

Em tudo, na vida, é muito mais importante saber-se do que crer-se.

O filósofo italiano Gianni Vattimo diz que “chega um momento em que [as religiões] já não são necessárias. E esse momento é a nossa época, porque, como pode ver-se em muitos aspectos da vida actual, as religiões já não contribuem para uma existência humana pacífica nem representam um meio de salvação. A Religião acaba por ser um poderoso factor de conflito em momentos de intercâmbio intenso entre mundos culturais diferentes” (*).

O sentido religioso não está morto, nem morrerá jamais, porque está intrinsecamente ligado ao funcionamento do cérebro humano, pois o Homem é um ser religioso por excelência. Mas a morte de Deus – vaticinada por Nietzche – é factível e pode considerar-se, já, nesta realidade actual: “O que está morto, num sentido mais profundo, são as religiões morais como garantia da ordem racional do mundo”, como diz o filósofo citado.

Hoje, o valor da prática de uma qualquer religião, é nulo. E só consegue alguma função ao nível da psicologia, que é o ramo científico a que pertencem os complexos sistemas de crenças, estudadas também por antropólogos. As sociedades ainda estão formatadas para submeterem os povos à ideia do divino. Desformatá-las desse modelo social não é tarefa fácil nem é coisa que se consiga em poucas gerações. Os cultos religiosos ainda são operantes porque há uma sedimentação do pensamento divino nos cérebros da maioria de nós, alimentado pelo nosso medo, o qual serve os interesses de uma classe clerical e outras classes opressoras, que deitam mãos a todos os medos medievais que ainda tolhem os crentes e tementes à figura mitológica de “Deus Nosso Senhor”… 

É urgente libertarmo-nos desses arcaicos medos. Já nos basta o medo que temos ao futuro por via do “Deus-Dinheiro” que alimenta sistemas económicos que nos oprimem e exploram, e que são muito mais reais… e também nos basta a existência de loucos que fazem a guerra para, criminosamente, alimentarem sonhos de expansão só sonhados por mentes profundamente doentes a quem é permitido governar e comandar sociedades e exércitos!… O que só demonstra o nosso profundo primitivismo.

(*) – Gianni Vattimo, filósofo e político italiano, no artigo de opinião: É a Religião inimiga da Civilização? Jornal El País, 1/3/2009.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Dim Hou por Pixabay