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Dia: 24 de Maio, 2020

24 de Maio, 2020 Carlos Esperança

Maria Velho da Costa

Em 1972 foi publicada a obra “Novas Cartas Portuguesas” da autoria de três escritoras portuguesas, com sólida cultura, prestígio literário e forte participação cívica. Ficariam conhecidas internacionalmente pelas “Três Marias”.

Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa ousaram desafiar a primavera marcelista como percursoras da luta pela emancipação feminina, num país onde a mulher estava condenada à menoridade cívica, política e social.

É imperioso recordar que, então, estavam vedadas às mulheres a carreira diplomática, a magistratura, as forças armadas e policiais e, na prática, os lugares de poder. Nem a saída para o estrangeiro lhes era permitida sem autorização do marido.

A coragem cívica das três intelectuais, cuja luta continua um exemplo para os combates pela igualdade de sexos, deve ser exaltada agora, na morte de mais uma das autoras, e no futuro. Não há vitórias definitivas e a emancipação da mulher está longe de ser uma conquista irreversível, mesmo em países ditos civilizados.

A exaltação da condição feminina e a defesa da liberdade para as mulheres era mais do que a Igreja, as famílias e a sociedade podiam tolerar, mas a denúncia da repressão e da censura do regime fascista, que Marcelo, o Caetano, se esforçava por disfarçar, não era um direito, era uma afronta à moral e aos bons costumes definidos nas sacristias, no Movimento Nacional Feminino, na Legião e na Mocidade Portuguesa. A denúncia da guerra colonial, da discriminação, da falta de liberdade, da subordinação da mulher era uma heresia intolerável.

Não surpreenderam os insultos, a difamação e as calúnias da imprensa da ditadura. A coragem, inteligência e cultura eram valores intoleráveis em mulheres, e a dignidade a utopia de mulheres depreciativamente designadas ‘intelectuais’, quando o casamento era o principal papel que lhes era reservado, para adereço de maridos ricos, reprodução e escravatura da vontade masculina.

O Estado acusou as escritoras de terem escrito um livro “insanavelmente pornográfico e atentatório da moral pública”, e levou-as a julgamento como se a denúncia a guerra colonial, a discriminação, a falta de liberdade, a marginalização das minorias e a subordinação da mulher na sociedade não fosse a vergonha do Estado terrorista em que homens e mulheres vegetavam.

Em 25 de Abril de 1974 decorria ainda, num tribunal de Lisboa, o julgamento que já levava dois anos, mas não eram as autoras que ali eram julgadas e arriscavam a prisão, era a ditadura que se expunha ao ridículo e à censura internacional. A 7 de maio de 1974, dias após a Revolução do 25 de Abril, o juiz Lopes Cardoso leu a sentença:
“O livro ‘Novas Cartas Portuguesas’ não é pornográfico nem imoral. Pelo contrário: é obra de arte, de elevado nível, na sequência de outras obras de arte que as autoras já produziram”.

Quando se apagou mais uma estrela no firmamento das mulheres portuguesas que se bateram pela dignidade feminina, é obrigatório lembrar o seu inestimável contributo pela democracia e pela emancipação dos valores que a Igreja católica incutia.

24 de Maio, 2020 Carlos Esperança

Os feriados, a laicidade e a propaganda católica

Em Portugal não há feriados religiosos, há apenas feriados católicos que tiveram origem na ditadura fascista de Salazar, o que a pia propaganda silencia.

Na monarquia, alcova comum de reis e clérigos, até 1910, não havia feriados. O próprio descanso semanal, coincidente com a tradição do domingo [dia do Senhor], teve lugar, em Portugal, em 1907, num governo de João Franco, confirmado por António José de Almeida, quando ministro do Interior do Governo Provisório (1910/1911), e que, como deputado republicano, defendera o descanso semanal no parlamento monárquico.

Só na I República, logo em 13 de outubro, aparecem os feriados, todos eles cívicos, em homenagem à República, à Pátria e à Humanidade:

1 de Janeiro – consagrado à «fraternidade universal»;
31 de Janeiro – consagrado aos «precursores e aos mártires da República» data da nossa primeira revolução republicana, no Porto, em 1891;
5 de Outubro – dia da revolução vitoriosa de 1910;
1 de Dezembro – consagrado à «autonomia da pátria portuguesa», dia da independência da Coroa de Espanha, em 1640;
25 de Dezembro – consagrado «à família» (laicização do Natal).
3 de Maio – Em 1 de maio de 1912, juntou-se a «data gloriosa do descobrimento do Brasil» [aliás, errada].
10 de Junho – Em 25 de maio de 1925, «é considerada nacional a Festa de Portugal que se celebrará em 10 de junho», data improvável da morte de Camões, já festejada em Lisboa.

E foram estes os 7 feriados da República, o regime que criou os feriados nacionais.

Durante o fascismo, quando os crucifixos já ornamentavam as paredes das escolas desde 1936 (Lei de Bases da Educação Nacional) e a Concordata alterara leis civis (1940), não havia ainda feriados católicos, apesar da cumplicidade entre a Igreja e a ditadura e da propaganda católica nas escolas. Só em 1948, aparece o primeiro feriado religioso, por lei da Assembleia Nacional, o 8 de Dezembro, dia da Imaculada Conceição, padroeira do reino de Portugal desde 1646, antes de ser imaculada por dogma de Pio IX, em 1854.

Verdadeiramente, como diz o historiador Luís Reis Torgal, os feriados religiosos só são introduzidos em 1952, com o sacrifício do 31 de janeiro e do 3 de Maio em favor de três datas católicas: o Corpo de Deus (móvel), a Assunção de Nossa Senhora (15 de agosto) e Todos os Santos (1 de novembro). É então que o 25 de Dezembro se torna Natal e o 1 de Janeiro na Circuncisão de Cristo.

Depois do 25 de Abril surgem mais 2 feriados, o 1 de Maio (legislação de 27 de abril) e o 25 de Abril (fixado em 18 de abril de 1975) e, em manifesta capitulação da laicidade, na confusão iniciada na ditadura fascista entre o sagrado católico e o profano, em 12 de abril de 1976, transforma-se o feriado facultativo, Sexta-Feira Santa, data que celebra a morte de Cristo, em feriado obrigatório e, em 27 de agosto 2003, é considerado feriado o dia de Páscoa, naturalmente coincidente com um domingo.

Data de 21 de agosto de 1974 a tentativa de generalizar os feriados municipais, prática que tinha sido legalmente iniciada na I República.

Em 2012, o Governo, a maioria e o PR, eliminaram, a partir de 2013, dois feriados identitários, 5 de Outubro e 1 de Dezembro e, «apenas suspensos», durante 5 anos, para serem reconsiderados em 2018, dois católicos, escolhidos pelo Vaticano, os do Corpo de Deus e Todos os Santos, indiferentes à constitucionalidade da alteração ao Código de Trabalho. Só em 30 de agosto de 2013, os referidos feriados cívicos passaram também de eliminados a «apenas suspensos», esperando-se que a extinção do prazo de validade deste Governo, desta maioria e deste PR, os reponha.

Fonte: História, Que História? – Capítulo História e Intervenção Cívica, pág. 171/175, de Luís Reis Torgal, Ed. Círculo de Leitores, março de 2015.