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Dia: 27 de Novembro, 2018

27 de Novembro, 2018 Carlos Esperança

O medo da morte

Por

ONOFRE VARELA

O medo é um escudo protector da vida que activa os sentidos de alerta dos animais. No bordo de uma falésia, qualquer animal, incluindo o Homem, recua com medo de se aproximar demasiado e cair. Só as aves se abeiram e saltam no vácuo… porque voam! 

Nos humanos o medo é ampliado pela consciência que temos dos riscos que corremos. Quando nos encontramos em perfeito estado de consciência (o que não acontece aos suicidas), evitamos tudo quanto possa apresentar risco de vida. Não ingerimos veneno, não saltamos de uma ponte, nem nos deitamos na linha do comboio.

Também temos medo do futuro que, neste tempo de má globalização, se apresenta um inferno para quem trabalha, e um paraíso para quem explora os trabalhadores transformados em objectos de produzir lucro sem troca de ordenados miseráveis. 

Nessa consciência que alimenta os nossos medos, também tem lugar a morte natural. Ninguém gosta de morrer. Mesmo quando vivemos em sofrimento social, alimentamos a ideia de um futuro melhor que elimine as dificuldades actuais, e pretendemos chegar lá. Em situação normal enuma sociedade civilizada, a vida apresenta-se atractiva, e é uma alegria viver junto de quem amamos, sentindo-nos realizados dia-a-dia, e vendo crescer os nossos filhos e netos. Pôr um ponto final neste gozo que sentimos pela vida, só pode ser uma maldade!…

Ninguém quer morrer, mas o fim da vida é a coisa mais certa com que podemos contar sem receio de errar. Nascemos, morreremos! Desta vida, ninguém sairá vivo! É o ciclo da Natureza. A morte é o fim natural da vida, e ninguém lhe pode fugir.

A Ciência conseguirá vencer a morte?… Para já, os cientistas conseguiram prolongar-nos a vida, aumentando o “prazo de validade” com que nascemos. A eternidade do corpo, com todas as faculdades anímicas, é um mito. A eternidade só é possível na memória histórica;não na matéria. 

Gostaríamos de viver eternamente e, para alimentar esse gosto, criamos a ideia da vida eterna numa suposta vida espiritual a usufruir depois da morte, num também suposto céu, junto do igualmente suposto Deus que criamos à nossa imagem e semelhança e à medida da nossa ignorância! É um consolo crermos na vida espiritual eterna. Quem crê nela, alimenta a esperança de se encontrar com Deus depois da morte!… 

Acredito que essa ideia afugente o medo da morte da cabeça dos crentes, e os ajude a aceitar a naturalidade do fim, com a muleta da fantasia religiosa na convicção de que vão, finalmente, encontrar-se com Deus e serem felizes (derradeiro consolo)!

Esta é uma face positiva da crença religiosa, por ajudar a aceitar a morte sem dramas maiores, mesmo que o consiga com base numa mentira que o crente aceita por verdade. Depois de morrer, não se tem consciência… nem nada!… É por isso que não há reclamações da vigarice da promessa de vida eterna!… E os crentes vivos pensam que se o morto não reclama… é porque está bem!…

(Texto de Onofre Varela, in Gazeta de Paços de Ferreira, na edição de 29 de Novembro de 2018. O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)