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Dia: 13 de Dezembro, 2014

13 de Dezembro, 2014 Ludwig Krippahl

Questões

O programa “Prós e Contras” desta semana pretendeu debater a pergunta “Deus tem futuro?” (1). No entanto, dos seis elementos do painel, quatro pertenciam ao clero, um era ateu mas defendia que os ateus não se devem preocupar com a questão de Deus existir ou não, e o cientista, Carlos Fiolhais, defendeu apenas a posição de que a ciência não tem nada a dizer sobre o assunto. Assim, o painel dedicou-se a discutir quem teria a melhor variante do monoteísmo bíblico, concordando todos no futuro de Deus e discordando apenas acerca de que Deus teria tal futuro. Haveria muito a apontar mas, neste post, vou focar apenas a posição de Carlos Fiolhais porque abordou um problema fundamental. Fiolhais alegou que a ciência foca um tipo de perguntas e não todo o tipo de perguntas. Nisto estamos de acordo. Mas depois, sem esclarecer como divide as perguntas em vários tipos nem como se avalia as respostas, simplesmente afirmou que há perguntas que são respondidas pela arte, outras pela ciência e outras pela religião, e que «a ciência não pode responder à pergunta se Deus existe ou não existe». Disto já discordo e até posso explicar porquê.

Vou categorizar as questões em três tipos em função das respostas que admitem. O tipo menos interessante é o de perguntas como “Existe blrrt?”. Estas não admitem resposta porque só são perguntas na sintaxe. Semanticamente não são nada. É o que acontece com “Existe Deus?” quando não se especifica nada desse “Deus”. Na prática, isto é raro. A menos que alguém esteja rodeado de clérigos de religiões diferentes e queira evitar o confronto a todo o custo, raramente se coloca esta questão sem afirmar algo concreto acerca desse “Deus”.

Outras questões admitem várias respostas correctas. As respostas a perguntas como “Queres jantar?”, “Tens fé em Jesus?” ou “Acreditas que há vida noutros planetas?” dependem da pessoa ou até do momento em que são colocadas. No debate, Anselmo Borges declarou que Deus é objecto de fé e não de ciência. Esta afirmação é vaga mas pode querer dizer que Deus é apenas uma ideia, na mente do crente, onde este foca a sua fé. Se assim for, então a pergunta “Existe Deus?” pode ser correctamente respondida pela afirmativa ou pela negativa conforme a pessoa a quem perguntamos foca a sua fé nessa ideia ou não.

Finalmente, há aquelas perguntas que admitem uma resposta correcta e para as quais as restantes respostas estão erradas, em maior ou menor grau. Perguntas como “Qual é a forma da Terra?”, “Existem electrões?”, “Alguém levou o corpo de Maria para o Céu?”, “O universo foi criado por um ser inteligente?” e assim por diante. São perguntas que fazem sentido e que visam obter uma resposta única que não é função de crenças, escolhas ou opiniões do inquirido. A resposta, presume-se, é algo que “já lá está” e que temos de descobrir. Este é o tipo de perguntas que a ciência aborda.

Aqui costuma surgir outra confusão. É correcto dizer que as religiões dão respostas. É esse um dos seus objectivos principais. Pergunte-se a um religioso algo acerca dos deuses, da origem do universo, do maior mistério e ele, mesmo admitindo que é um mistério, dá normalmente uma resposta. A diferença entre religiões e ciência não está nos tipos de pergunta, porque ambas dão primazia às perguntas que exigem uma, e só uma, resposta certa. A diferença é que o ponto forte da ciência não é dar uma resposta mas sim fazer a parte difícil, que é avaliar, comparativamente, as respostas possíveis. É fácil esquecer isto porque, se se perguntar a um cientista qual o número atómico do carbono ou a idade do sistema solar, ele dá uma resposta. Mas apenas porque a ciência já foi feita. Já se passou séculos a considerar alternativas, a compará-las, a descartar muita coisa até chegar a algo que, provisoriamente, parece ser a melhor resposta.

Num aspecto, Fiolhais tem razão. Se perguntarmos sobre Deus a um católico, muçulmano ou judeu, cada um dará a sua resposta acerca do que Deus é, quer, fez e exige de nós. A ciência, concordo, não faz isto. A ciência não dá respostas tiradas do chapéu, seja por fé ou fezada. Mas se a questão admite apenas uma resposta objectivamente correcta a ciência é a melhor forma de tentar respondê-la porque a ciência procura entre todas as respostas possíveis aquela que encaixa na melhor explicação para todos os dados relevantes. Muitas vezes os dados são insuficientes para que uma resposta seja claramente melhor do que as demais e, mesmo que seja, sê-lo-à apenas provisoriamente. Mas isto é o melhor que se pode fazer e qualquer afirmação ou certeza que vá além disto é mera ilusão.

Outra confusão está em julgar que a ciência decide “provando” o que é verdade. Por isso, Anselmo Borges apontou que não se pode provar que Deus não existe. Mas consideremos a hipótese evangélica de Deus ter criado o mundo em seis dias há seis mil anos atrás. Se Deus é omnipotente, não se pode provar que isto é falso. Um deus assim até poderia ter criado tudo há cinco minutos sem ter deixado qualquer indício disso. Com um deus que tudo pode fazer, até as nossas memórias de infância podem ter sido criadas já nos nossos cérebros. A ciência rejeita esta hipótese simplesmente porque há uma explicação melhor para a origem da Terra que não inclui deus nenhum. E isto aplica-se igualmente ao deus que terá ditado o Corão, ao deus que levou o corpo de Maria para o céu ou ao deus que terá feito o universo num big-bang. Tudo isso a ciência rejeita. Não por “provar” o que quer que seja mas porque a ciência é um processo contínuo de inferência à melhor explicação e, neste momento, essas coisas não fazem parte das melhores explicações que temos.

1- RTP, Prós e Contras.

Em simultâneo no Que Treta

13 de Dezembro, 2014 Carlos Esperança

O Paraíso, o Papa e os outros animais

Para um ateu, o Paraíso e o Inferno não passam de crenças que perpetuam a superstição. Foram criados para premiar ou castigar o que em cada época e cultura se definiu como o Bem e o Mal, respetivamente. O primeiro é a cenoura com que o padre alicia os crentes, para a submissão, e o segundo, o pau com que os amedronta.

O catolicismo romano conservou o Purgatório, de origem judaica, uma rentável sala de espera, género prisão preventiva, discricionariamente prorrogável, a lembrar as medidas de segurança dos Tribunais Plenários da ditadura aalazarista. É uma espécie de Colónia Penal onde decorre o processo de castigo temporário, necessário à purificação das almas que morrem na graça de Deus e na sua amizade, mas ainda imperfeitas, e que precisam de ser purificadas para entrarem no Reino dos Céus. A pena pode ser reduzida com as orações dos vivos e, sobretudo, com 30 missas que sustentaram o clero durante séculos.

O Limbo, que Agostinho de Hipona, na peugada de Paulo de Tarso, destinou a quem não era batizado ou aos justos que viveram antes da vinda de Cristo, quando ainda não havia alvará para o batismo cristão, nunca foi rentável. É um armazém para almas que carregam o pecado original, essa raiva ao método reprodutivo engendrado por Adão e Eva, e onde estacionam “à margem” da presença de Deus, como as crianças que, depois de Cristo, morrem antes do batismo.

Agora é o Papa Francisco a garantir que todas as criaturas serão recebidas no Paraíso, perante a animosidade dos devotos, o sorriso dos ateus e o sobressalto dos crentes bem intencionados, com medo de encontrarem o Paulo Portas, o Cavaco, o bando do BPN e o Ricardo Espírito Santo, além dos pides e dos biltres das diversas ditaduras.

Mas o Papa Francisco, na sua infalibilidade, disse mais. Manifestou a intenção de abrir os portões do Paraíso a todas as criaturas terrestres, «sem excluir animais, muito menos os de estimação». Se é aliciante passar a eternidade com o Lulu e com o Tareco, já não se pode dizer que fiquem calmos com a presença da cascavel, do lacrau ou da carraça.

Os ateus resignam-se a ter um fim igual ao que os católicos mais antiquados reservam para as outras criaturas – o fim da existência sobre a terra –, no cumprimento do ciclo biológico inexorável, da caminhada de Eros a Tanatos, que é a vida, única e irrepetível.

Francisco de Assis chamava irmãos aos lobos, não porque considerasse a sua Igreja uma alcateia, porque tinha uma conceção teológica que o papa Francisco retomou com risco de vida e grave prejuízo para o negócio da fé.