Vivemos num país disfuncional onde o futebol é mais valorizado do que o futuro dos portugueses, onde, no rescaldo da eliminatória da seleção nacional, estropiada pelo calor e esforço, os deputados da direita instituem o «dia nacional do peregrino».
Perdido o orgulho da bola, ganha-se o campeonato da fé. Os cachecóis e outros adereços ficaram obsoletos e, por isso, os deputados agarraram-se ao “dia nacional do peregrino”.
Não se vendem camisolas, chapéus e cachecóis, vendem-se santinhos, pagelas e virgens. O negócio do futebol terminou precocemente? Antecipa-se o centenário das piruetas do Sol, das acrobacias da virgem nas azinheiras e do voo picado do anjo, na Cova da Iria.
A Seleção baldou-se aos golos? Os deputados preparam o concurso das missas. Perde-se o campeonato mundial de futebol mas ganha-se o certame nacional das maratonas pias. Em vez do dia de S. Ronaldo instituiu-se o dia do peregrino, substituíram-se jogadores por pastorinhos, o Brasil por Fátima, a bola pelo hissope e o treinador por um cardeal.
Em vez de fintas há genuflexões, cruzes, terços, caminhadas medievais a um santuário e relança-se a indústria das velas.
O Estado é laico, mas os deputados não. São livres de acreditar que a Lúcia, a quem um devota do norte, viu no cadáver os dois dentes que restavam e logo a intitulou bidente, é a santa que faltava na luta contra a República e no apoio a Salazar. Em Espanha, JP2 e B16 criaram tantos beatos e santos franquistas que se temeu o esgotamento de defuntos normais nas hostes da ditadura.
Em Portugal não há santos salazaristas, é urgente que a Irmã Lúcia seja canonizada, que obre dois milagres comprovados, que cure a sarna de uma freira avessa ao banho ou o Parkinson de outra com uma pagela de João Paulo II sob o hábito.
Que interessam o défice, a pobreza, a dívida, o desemprego e a fome se os bens terrenos podem ser trocados pela fé e o bem estar efémero da vida pela felicidade eterna?
Bem-aventurados deputados, preocupados com a salvação das almas dos eleitores.
Se não estivesse convencido de que foram os homens que criaram Deus, aceitava a teoria de José Cardoso Pires, de que Deus criou o cão e, para se ver livre dele, criou o homem.
(In ‘República dos Corvos’)
P – Existe verdadeira liberdade religiosa em Portugal comparativamente à generalidade dos países europeus?
Resposta – Sim, sem hesitação. Existe inclusivamente a liberdade de se ser agnóstico, cético, ateu, em suma, a de se ser livre-pensador. A intolerância dos crentes é idêntica à que pode ser encontrada em ateus. É um defeito herdado da ditadura, a intolerância para com o que é diferente.
Apesar dos privilégios de que goza a Igreja católica, a liberdade de culto, de qualquer culto, é hoje uma realidade que não merece contestação.
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