Loading

Dia: 14 de Agosto, 2013

14 de Agosto, 2013 Carlos Esperança

Espanha – Um país e dois Varelas

O cardeal Antonio María Rouco Varela, bispo de Madrid, um dos mais reacionários de Espanha e do mundo, abriu feridas insanáveis com a ajuda de Ratzinger, ao canonizar e beatificar, em doses industriais, defuntos admiradores de Franco.

Foi um ato deliberado contra a democracia e, na pressa, nem todos eram aconselháveis para os altares apesar da generosidade com que Bento XVI elevou fascistas à santidade.

Podia ter-se ficado por Escrivà, a quem devia favores e dinheiro, apesar da conivência com a ditadura e o ditador, e poupado a Espanha ao reavivar de memórias dolorosas de quem viveu horrores praticados dos dois lados da guerra civil.

Depois apareceu outro Varela, a quem também não faltam vestes talares e a nostalgia do ditador cruel que, depois de ganhar a guerra, nunca mais perdeu o espírito sanguinário.

O juiz de instrução do Supremo Tribunal, Luciano Varela, levou a julgamento Baltasar Garzón, por ter decidido investigar os desaparecidos da guerra civil e do franquismo, ‘violando a lei de amnistia geral de 1977’. Faltava este Varela para evitar que os crimes de um dos mais sanguinários ditadores do século passado fossem conhecidos com rigor.

Exultaram os franquistas, incluindo a maioria do clero, que assistiram à democratização de Espanha, convictos de que Franco era o enviado da providência divina. O fascismo ainda vive nas Forças Armadas, nos Tribunais e nas Universidades que permaneceram intactas, tal como a Igreja católica, e se mantêm redutos sólidos do fascismo espanhol.

Quando o juiz Baltasar Garzón, certo de que os crimes contra a humanidade não deviam prescrever, resolveu exumar os crimes da Guerra Civil, com a mesma coragem com que perseguiu os da ETA, viraram-se contra si os carrascos que logo rejubilaram.

O julgamento de Baltazar Garzón foi um um libelo contra a democracia e o direito dos descendentes das vítimas à verdade, a vingança mesquinha contra um juiz que, ao ser afastado, perdeu o direito à proteção policial e ficou sujeito às balas dos inimigos.

Era talvez isso que os algozes queriam. Bastou ao Varela de toga poder ter feito o que o Varela de mitra não conseguiu. Nem o escândalo internacional, nem a indignação dos descendentes das vítimas, nem a estupefação de magistrados democratas o demoveu. O ódio velho não cansa.

Hoje, com Baltazar Garzón irradiado, a lei da Memória Histórica beneficia a proteção dos carrascos que executaram milhares de espanhóis por razões ideológicas, depois de terem derrubado a República sufragada pelo voto.

Em Espanha, com as conivências conhecidas, ficam impunes os crimes do franquismo. Nem sequer se podem investigar para que a História os registe.

14 de Agosto, 2013 Carlos Esperança

O cónego Melo, a estátua e a desmemória

O funeral do cónego Eduardo Melo, da Sé de Braga, deu origem a uma importante concentração fúnebre. Uns foram para terem a certeza de que ficaram livres de uma testemunha incómoda, outros para prestarem homenagem ao homem que não hesitaria em defender a Igreja à bomba.

Não foi a devoção que o celebrizou, foi o poder que o tornou temido e respeitado. A estátua que lhe fizeram não foi uma homenagem às ave-marias que rezou, às missas que disse ou à frequência com que sacava do breviário. Foi a paga dos favores que fez, das cumplicidades que teceu, do poder que tinha. Não era homem para andar de hissope em punho a aspergir beatas que arfavam à sua volta antes da Revolução de Abril, era um homem de ação. Do futebol à política. Do salazarismo ao MDLP.

O cónego Melo pode ter sido alheio ao assassínio do padre Max, cujo crime ficou impune graças a uma investigação pouco eficiente, mas presume-se que não o chorou.

Na morte teve a acompanhá-lo o inevitável presidente da Câmara, Mesquita Machado, o Governador Civil e um secretário de Estado, além de gente anónima que aproveitou os autocarros gratuitos para ir a Braga.

O bem-aventurado cónego, que nunca renegou a admiração por Salazar e a animosidade à democracia, foi a enterrar quatro dias antes do 25 de Abril que tanto detestava. Podia ter vivido até ao 28 de Maio. Era uma data mais grata à sua alma, uma consolação para quem nunca se rendeu à democracia.

Finou-se no ano da graça de 2008 da era vulgar, com direito a um voto de pesar da AR, proposto pelo deputado do CDS, Nuno Melo, com a abstenção do PS e os votos contra do PCP e BE.

Bastaram 5 anos para esquecer o homem e imortalizar o cadáver. Amanhã, dia 15, lá estarão o bem-aventurado Mesquita Machado e, quçá, o canonizável Alpoim Calvão, um cheio de dinheiro, o outro cheio de medalhas, para admirar o bronze do homem com coração de ferro. A morte lava mais branco.